Dizer que sobram vagas no mercado de trabalho no momento em que o Brasil registra seguidas altas no índice de desemprego pode soar, no mínimo, incoerente. Mas, é exatamente isso que acontece com uma parcela específica de trabalhadores. Por fatores que vão desde o nível das seleções, passam por baixos salários e chegam à falta de qualificação profissional, Alagoas tem hoje quatro vezes mais vagas do que pessoas com deficiência empregadas.
Dados do Ministério do Trabalho e Emprego revelam que há 9.708 postos disponíveis no mercado atualmente, mas que apenas 2.478 deles estão ocupados. As estatísticas poderiam ser maiores, se as empresas cumprissem a chamada "Lei das Cotas" (Lei 8.213/1991), que determina que as instituições que tenham mais de 100 funcionários destinem uma cota que varia de 2% a 5% para as pessoas que apresentem algum tipo de deficiência.
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E é nesse ponto que têm início as divergências entre empresas e instituições que fazem a intermediação com o mercado de trabalho. De um lado, há o argumento de que existe o medo da perda de benefícios, que é baixo o grau de profissionalização dos candidatos e que nem sempre há concorrentes para as vagas. Do outro, há a afirmação de que as empresas buscam pessoas com deficiências leves, que pagam pouco e que não querem adaptar espaços.

A psicóloga Ana Lúcia Barros, que atua no Setor de Orientação ao Emprego, no Sine Jaraguá, confirma que há uma oferta constante de vagas por parte de empresas, mas ressalta que nem sempre os cargos são preenchidos. Ela diz que, em alguns casos, os candidatos, de fato, não atendem aos pré-requisitos estabelecidos nos anúncios. No entanto, ela reconhece que, em outros casos, existe um rigor maior por parte da instituição contratante.
Segundo ela, a Secretaria Estadual de Trabalho e Emprego tem feito ações no sentido de conscientizar empresários e trabalhadores, evitando assim qualquer excesso. "Nosso papel é educativo. Em setembro, que é considerado o mês da intermediação, nós vamos desenvolver uma série de eventos, vamos reunir empresários e discutir estes pontos. A ideia é mostrar a relevância da inclusão dessa parcela de trabalhadores no mercado", afirma Ana Lúcia.
Já o Ministério do Trabalho e Emprego diz que tem intensificado as fiscalizações e aplicado multas que variam de R$ 1.800 a R$ 137 mil para quem for flagrado em situação irregular. "Infelizmente não são todas as empresas que cumprem a lei. Existem bons e maus exemplos. Não podemos generalizar, mas o setor da construção civil é o que mais cumpre a Lei de Cotas. O pior empregador neste sentido é o setor sucroalcooleiro", acrescenta.
Lessa explica que o dia a dia mostra que diversos fatores contribuem para a não inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. "Existe uma resistência para a contratação tanto pelos custos, pois o local de trabalho precisa estar com as adaptações necessárias para a atividade, quanto pela qualificação em si", observa o superintendente, referindo-se especificamente ao baixo grau de profissionalização dos candidatos.

"A educação destinada às pessoas com deficiência é um direito que não tem sido garantido pelo Estado. Encontramos algumas iniciativas, como, por exemplo, o trabalho realizado por entidades sem fins lucrativos e pelo Sistema S, que tem contribuído para a qualificação por meio de cursos de aprendizagem. Mas, ainda é difícil encontrar pessoas com o grau de formação exigido pelas empresas aqui no estado", pondera Israel Lessa.
O superintendente diz que outro fator que contribui para a não inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho é o medo de perder o benefício pago pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Mas, segundo o superintendente, esse risco não existe.
"A pessoa com deficiência ou reabilitado pelo INSS não perde o benefício de prestação continuada durante o processo de aprendizagem. Nos dois anos de qualificação como aprendiz, o benefício é acumulado com o salário recebido. E, em caso de contratação, o benefício é suspenso apenas enquanto o profissional estiver empregado. Se ele for desligado, volta a receber normalmente", destaca.
Só 20% dos currículos enviados se transformam em vagas

Contrariando o que dizem as empresas, a assistente social Sônia Pontes, uma das responsáveis pelo Setor de Mercado de Trabalho da Associação dos Deficientes Físicos de Alagoas (Adefal), afirma que é grande o número de trabalhadores que chegam à instituição à procura de oportunidades. Mas, segundo ela, apenas 20% dos currículos encaminhados pela Adefal este ano se transforaram em empregos.
"Foram enviados 1.420 currículos pela associação entre os meses de janeiro e agosto deste ano. Destes, somente 280 pessoas com deficiência conseguiram emprego. Atualmente, a Adefal tem 97 currículos de homens e 35 de mulheres em busca de oportunidade. No ano passado, foram inseridas cerca de 400 pessoas no mercado de trabalho por meio do nosso programa de intermediação da associação", explica a assistente social à reportagem.
De acordo com Sônia Pontes, dois fatores que estão interligados dificultam as contratações: as empresas buscam trabalhadores com deficiências leves e não estão dispostas a adaptar os ambientes de trabalho. Aliada a esses dois fatores está a baixa remuneração oferecidas pelas empresas para pessoas com deficiência.
"É muito comum vermos surgir vagas para as funções mais elementares na empresa. Ou a oportunidade surge para funções administrativas ou para serviços gerais, o que faz com que o salário oferecido seja muito baixo. Mas é preciso deixar claro que existem trabalhadores capacitados, com formação superior. As pessoas com deficiência são pessoas comuns, como qualquer outro trabalhador", acrescenta a assistente social.
Apesar de reconhecer as dificuldades, Sônia Pontes ressalta que o preconceito com pessoas com deficiência tem diminuído ao longo dos anos e que é cada vez mais frequente o ingresso de trabalhadores no mercado. "É importante destacar que o primeiro passo para que ocorra a inclusão de pessoas com deficiência é que elas tenham sua autoestima fortalecida e, em seguida, que invistam na própria formação profissional", pondera.
Trabalhadores se dizem discriminados por empresas

Desde que sofreu um acidente de trabalho, em 2009, José Antônio de Oliveira, de 46 anos, nunca mais conseguiu retornar ao mercado. E não foi por falta de tentativa. Ele diz que tem buscado oportunidades, mas afirma que esbarra no preconceito das empresas.
"Tenho minha profissão e gostaria de voltar a trabalhar, mas não encontro vaga no mercado. Estou recorrendo à Adefal para ver se consigo uma recolocação, pois preciso sustentar a minha família", explica o carpinteiro que teve a perna atingida por parte da estrutura de uma obra.
Como ele, o trabalhador Charles Maurício dos Santos, de 34 anos, recorreu à associação para tentar voltar ao mercado. Ele diz que tem disponibilidade para atuar na área de limpeza ou até mesmo como segurança, mas garante que faltam vagas para as pessoas com deficiência.

"Minha deficiência é motora, apenas nos dedos de uma mão. Isso não me impede de fazer nenhum trabalho. Por isso, venho tentando conseguir uma vaga. Mas está muito difícil. Já cheguei até a ouvir que não sou deficiente, mesmo tento o laudo médico da Adefal. São muitas as desculpas e eu continuo sem emprego", frisa o trabalhador.
Mas, se de um lado há trabalhadores que enfrentam dificuldades, de outro há histórias de sucesso, como do trabalhador Erivaldo Cavalcante de Oliveira, de 31 anos. Ele trabalha como auxiliar de serviços gerais em um hospital de Maceió, mas diz que busca outras oportunidades.
"Apesar de ser deficiente auditivo, nunca encontrei dificuldades para trabalhar. Faz 12 anos que trabalho no mesmo hospital. Agora, busco outras oportunidades, em um horário alternativo, para poder complementar minha renda", ressalta Erivaldo.