Se há uma lacuna na história, algo que não ficou bem contado e que até hoje ninguém escreveu especificamente, é sobre o período de transição do mundo antigo ao medieval. E não é, simplesmente, uma questão de se arrematar informações sobre o período de decadência do Império Romano, que coincide com o início da Alta Idade Média. É muito mais que isto. Esta resposta estaria guardada na consciência do homem desse período, na sua visão e compreensão do que estava acontecendo com a poderosa Roma que ele conhecia. Diz o pernambucano Oliveira Lima, autor de “História da Civilização”, publicado em 1919 pela Editora Melhoramentos, pg. 109, que Roma era: “A mais sólida das civilizações antigas, aquela que descende diretamente a civilização moderna...” E com certeza este pensamento não era diferente para um cidadão romano, fosse este, um senador, um agricultor ou até mesmo um simples escravo. O poder de Roma, não vinha da força de seus exércitos, como muitas vezes julgamos. Ao contrário, era o seu povo, a sua gente, aquela humilde plêiade de trabalhadores, artesãos, camponeses, artistas, engenheiros, comerciantes e tantos outros que moviam a sua economia. Marvin Perry, no seu livro Civilização Ocidental, da Martins Fontes, publicado em 1999, diz, na página 117 que: “A deterioração do exército foi uma das principais causas da crise do século III”. Mas é preciso ir mais fundo na questão, para entender que a origem da indisciplina e da desordem das forças militares romanas, são, sem dúvida alguma, de ordem econômica. Basta observar que este império não cresceu apenas geograficamente, tomando cidades e se beneficiando de sua infraestrutura. Sua expansão foi também semeada de construções, obras públicas, estradas, pontes. Mas era na capacidade de manter o império autossuficiente, com um comércio bem distribuído, com uma indústria e uma agricultura estabilizada que gerava a riqueza de sua população. Famílias inteiras, empregados e escravos conseguiam manter uma propriedade rural, produzindo uma dúzia de produtos vitais, desde a preparação de conservas, até tecidos de lã e linho alvejado. Produtos, com compradores certos atravessavam as boas estradas, construídas pelo império e que serviam ao escoamento dessas mercadorias para as principais cidades, guardadas dos saqueadores pela sua milícia. Com uma moeda valorizada a riqueza do campesinato, assim como da indústria e do comércio em geral, fazia nascer uma classe, que mesmo considerada plebéia, concentrava mais riqueza que os membros do Senado Romano. Esta autonomia econômica baseada no sistema do Laissez-faire permitia que a população estivesse engajada na distribuição de emprego e renda, sem a interferência do estado. Com todos os desníveis sociais, a concentração da riqueza a uma minoria privilegiada de políticos e altos funcionários, não chegava a ser um escândalo. Durante muito tempo, não foi a política do pão e circo, o principal objetivo do governo. Grandes investimentos foram feitos para dar a cidade de Roma uma infraestrutura a altura de seu pendor.