O brilho no olhar e o entusiasmo não negam o amor que Maria Neide Martins tem em falar de seus trabalhos sociais e sua religiosidade. Aos 54 anos, Mãe Neide Oyá D'Oxum, como gosta de ser chamada, é referência na disseminação dos rituais das religiões de matriz africana em Alagoas e reconhecida como Patrimônio Vivo do Estado pela sua atuação na difusão da cultura afro-brasileira.
"É um motivo de muito orgulho saber que meu Estado se sente representado por mim. Geralmente, as pessoas só são homenageadas ou reconhecidas depois que desencarnam. Ser um patrimônio vivo representa muito. Tenho certeza que não é só a Mãe Neide que está sendo representada, mas todas as iolarixás, todas aquelas que lutam por um hoje e amanhã melhor e a aquelas que são grandes repassadoras do saber", disse, emocionada.
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Arapiraquense, filha de João Sebastião Martins e Antônia Rocha Martins, entre cinco irmãos, Mãe Neide sempre se destacou e desde cedo prezou pelo seu lado espiritual. Questionado sobre como se deu seu ingresso na religião de matriz africana, brinca que precisaria escrever um livro. "Nasci em uma família muito católica e estudei em colégios bastante religiosos. A minha família continua sendo católica, mas acho que não escolhi, eu fui escolhida".
Como tudo começou
Ela destaca que desde jovem, já tinha a curiosidade de conhecer outras religiões. "Talvez eu não imaginasse que fosse a Umbanda ou o Candomblé, mas eu já tinha a necessidade dentro de mim de buscar uma resposta na minha vida, alguma religião que me completasse", frisa.
Maria Neide começa a se identificar de fato com sua religião aos 14 anos, mas desde os nove já tinha algum tipo de envolvimento. Devido a problemas de saúde e desmaios frequentes, sua avó sempre a levava para os curadores fazerem trabalhos de suspensão de sua mediunidade.
"Com 13 e 14 anos, não deu mais para segurar. Cada dia que passava eu me ligava mais a religião, me descobria e me apaixonava por esse mundo novo. Um mundo de fé na natureza, de você vê Deus em tudo, na erva daninha que nasce no quintal, no olhinho de um animal, de uma criança, na mão estendida que te pede uma esmola. Isso para mim é tudo fantástico. A relação do vento, fogo e água na minha fé é muito importante", revela.
Pioneirismo na disseminação de rituais de matriz africana em Alagoas
Em 1994, com a fundação do Grupo União Espírita Santa Bárbara (Guesb), no Village Campestre em Maceió, Mãe Neide passou a associar a religião com trabalhos sociais, ultrapassando as barreiras da prática da caridade e indo além do espiritual. "A necessidade de oferecer um mundo melhor e de participar mais da vida do meu próximo, me fez juntar a fé com os meus trabalhos sociais. Eu diria que é a minha religião que envolve todas as minhas atividades socioculturais, porque não adianta falar de fé, amor de Deus ou amor ao próximo, se você não proporciona, não é patrocinador de tudo isso" disse a ialorixá.
Dentro do Guesb, Mãe Neide criou o Centro de Formação e Inclusão Social Inaê, com o intuito de dar melhores oportunidades de vida para os moradores da comunidade. O projeto oferece cursos de costura, dança, teatro, música e outras atividades que promovem a geração de emprego e renda.
Através das oficinas e eventos, Mãe Neide dá a oportunidade de aprender, empreender e crescer, mostrando a capacidade de cada um dentro da sociedade, sem tabus e descriminações. Orgulha-se em dizer que seu terreiro é o primeiro a fazer uma parceria com uma multinacional, a Coca-Cola. "Temos essa parceria com o Instituto Coca-Cola há mais de cinco anos, que capacita e prepara 600 jovens ao ano no nosso laboratório de informática, com curso de logística em varejo".

Serra da Barriga e o trabalho de Mãe Neide Oyá D'Oxum
A Serra da Barriga, localizada no município de União dos Palmares, zona da mata alagoana, tem um lugar especial no coração de Mãe Neide. Afinal, é um lugar de muita representatividade para o povo negro. Foi nas matas fechadas da Serra que milhares de homens rebelados criaram o maior foco de resistência escrava do Brasil, o Quilombo dos Palmares.
Na Serra, no Parque Memorial Quilombo dos Palmares, Mãe Neide desenvolve o trabalho de turismo étnico-racial, incluído no roteiro de uma grande operadora de turismo em Alagoas. "Todas as quartas-feiras nós temos os passeios onde humanizamos a serra com capoeira e artesanato", diz.
Depois da visita ao parque histórico, os grupos descem para o restaurante Baobá Raízes e Tradições, que é mantido pela Ialorixá e serve como renda para manter o projeto Inaê. Nele, é servido um buffet de comidas afro-indígenas. "Não trabalhamos só com o alimento, mas com a história do alimento e a nossa cultura, desde a entrada até as sobremesas. Você conhece a história dos ingredientes que eram utilizados no quilombo, de forma que enriquece nosso cardápio", destacou.
Mãe Neide destaca o mais novo título da Serra da Barriga. Patrimônio de grande simbolismo para a história do Brasil, se tornou Patrimônio Cultural do Mercosul. "O grito de Zumbi ecoou mais longe do que a gente imaginava. Eu digo que a Serra é o útero que nos pariu, que pariu nossa liberdade. A liberdade de todo um povo, não só do Brasil. É uma felicidade sem igual perceber que nossa Serra da Barriga é reconhecida mundialmente, local onde tantas coisas importantes aconteceram", disse.