O Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe) informou, nesta quinta (20), que vai investigar a conduta de dois médicos que teriam pressionado a família da menina de 10 anos a não se submeter ao aborto previsto em lei, no Recife. A criança interrompeu a gravidez de risco após ser estuprada, no Espírito Santo, pelo tio, que está preso e teria assumido o crime informalmente.
A entidade pretende apurar se esses dois médicos entraram no quarto onde a garota estava internada, no Centro Amaury de Medeiros (Cisam), na Encruzilhada, na Zona Norte da capital pernambucana. A conduta deles foi denunciada à ouvidoria da maternidade, referência em partos de risco.
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Os profissionais, um obstetra e uma pediatra, não participaram do atendimento prestado à criança. O processo corre em sigilo. Os expedientes são regidos pelo Código de Processo Ético - Profissional (CPEP) estabelecidos pela Resolução CFM Nº 2.145/2016.
O presidente do Cremepe, Mário Henrique Lins, explicou que a abertura da sindicância é um dever da entidade.
"A partir de informações publicadas na mídia, nomeamos um profissional para comandar a sindicância e avaliar o caso. Se for constatada infração ao código de ética médica, será aberto o processo de ética profissional", afirmou.
Lins disse, ainda, que a ouvidoria do Cisam ainda não procurou o conselho. "Soubemos que ela foi acionada e que será chamada a comissão de ética da maternidade. Ela vai fazer algo sobre a denúncia", afirmou.
O presidente da entidade disse que não foram repassados nomes dos médicos que estariam envolvidos no caso.
"Caso seja comprovado envolvimento deles, as punições vão desde advertência até a suspensão das atividades profissionais", afirmou Lins.
Após a alta
A criança teve alta médica na quarta-feira (19). Segundo os médicos que a acompanharam, a garota estava bem. (veja vídeo abaixo)
A família dela aceitou participar do Programa de Apoio e Proteção às Testemunhas, Vítimas e Familiares de Vítimas da Violência (Provita), oferecido pelo governo do ES, que prevê apoio como mudança de identidade e de endereço.
Também na quarta, a ministra da Mulher e da Família, Damares Alves, enviou um ofício ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) pedindo a apuração do vazamento de dados sigilosos sobre a menina.
No mesmo dia, o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) entrou na Justiça contra a extremista Sara Giromini, que divulgou dados pessoais da criança na internet, causando protestos contrários ao aborto na porta do hospital onde ela interrompeu a gestação.
A ação pede que ela, que é ex assessora de confiança de Damares, seja condenada a pagar R$ 1,3 milhão a título de dano moral.
O tio dela, suspeito do crime, foi preso na terça-feira (18), em Betim, Minas Gerais. Segundo relato da vítima, o crime ocorria desde quando a garota tinha 6 anos, em São Mateus, no Espírito Santo. A garota não denunciou porque disse que era ameaçada.
Depois de preso, o tio foi ouvido pela polícia, mas o teor do depoimento não foi divulgado. "Informalmente" ele teria confessado o abuso aos policiais que fizeram a prisão.
Caso
A menina precisou viajar do Espírito santo ao Recife para interromper a gravidez porque, no estado de origem, os médicos do hospital em que ela foi atendida afirmaram que não tinham capacidade técnica para fazer o procedimento.
O procedimento para a interrupção da gravidez, no Cisam, ocorreu na segunda-feira (17). No dia, a Secretaria de Saúde de Pernambuco divulgou uma nota, informando que tudo foi feito com autorização judicial do Espírito Santo.
A unidade que atendeu a menina é referência estadual nesse tipo de procedimento e de acolhimento às vítimas. O texto aponta ainda que "todos os parâmetros legais estão sendo rigidamente seguidos". O procedimento feito na menina de 10 anos foi concluído por volta das 11h.
Na terça (18), o médico diretor do Cisam, Olímpio Morais, afirmou que a criança voltou a sorrir depois do procedimento. Na unidade de saúde, a menina recebeu presentes como perfume, maquiagem, livros, brinquedos e flores (veja vídeo abaixo).
O começo
A gravidez foi revelada no dia 7 de agosto, quando a menina foi ao hospital, na cidade de São Mateus, se queixando de dores abominais.
A menina relatou que começou a ser estuprada pelo próprio tio desde que tinha 6 anos e que não o denunciou porque era ameaçada. Ele tem 33 anos e foi indiciado por estupro de vulnerável e ameaça.
A Promotoria da Infância e da Juventude de São Mateus decidiu investigar se grupos tentaram pressionar a avó da menina para que o aborto não fosse autorizado. O MP também vai analisar áudios de conversas de pessoas que estariam pressionando a família da criança a não interromper a gravidez.