Apenas pacientes com sintomas graves do novo coronavírus são notificados pelo estado de São Paulo desde segunda-feira (23). A nova orientação da secretaria estadual é para que as unidades de saúde da rede pública registrem no sistema apenas pacientes internados com sintomas graves da doença. Pessoas com sintomas leves, especialmente aquelas que não sentem falta de ar, não são registradas como casos suspeitos ou confirmados de coronavírus no sistema oficial, tampouco são submetidas ao teste laboratorial. Especialistas afirmam que a nova metodologia de registro pode levar a subnotificação.
O G1 teve acesso ao e-mail que foi enviado para Unidades Básicas de Saúde (UBS) e seu conteúdo foi confirmado pela diretoria do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE), Helena Sato. Segundo Sato, a medida é necessária para concentrar esforços nos casos graves.
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"Isso não quer dizer que a gente vai ter menos dados, de jeito nenhum. Nós trabalhamos com vigilância epidemiológica. Então, nós tivemos um procedimento muito parecido na época da pandemia que aconteceu dez anos atrás, em relação ao vírus do H1N1. Antes a gente notificava os casos leves, moderados, depois, com o aumento, com o que se considera uma pandemia, a gente foca nos casos graves. Isso de modo nenhum vai alterar nossas ações de vigilância, não altera em nada", disse Sato em entrevista ao G1.
"É só uma forma de a gente poder acompanhar o que é mais importante nesse momento. Quando começa a ter mais casos, a gente começa a focar nos graves", completa.
Funcionários de UBSs da capital afirmam que o exame laboratorial já não era recomendado para pacientes com sintomas leves mas que, a partir da chegada do email, a orientação é não notificar os casos no sistema.
"Quarta-feira chegou esse e-mail e eles falam que não serão mais realizados testes laboratoriais do coronavírus na população, só em profissionais de saúde. A exceção é para pacientes que estão internados. Sem poder fazer teste, não podemos notificar casos leves. É essa a orientação: não notificar casos leves da população em geral", conta uma funcionária de uma Unidade Básicas de Saúde (UBS) na Zona Sul da capital.
Um médico de outra UBS da capital confirma que recebeu "orientação formal por e-mail de que os testes devem ser reservados para casos graves e pacientes com sintomatologia mais exuberante ou profissionais de saúde sintomáticos." Ele conta que, em apenas um dia, 10 pacientes sintomáticos não tiveram exame coletado e não foram incluídos no sistema de notificação.
Helena Sato, que coordena o centro de contingência de doença no estado, afirma que a medida é necessária para focar esforços em casos graves. Ela confirma que a orientação foi repassada inclusive para a rede particular de São Paulo e afirma que as decisões do CVE estão alinhadas com o Ministério da Saúde.
Nacionalmente, a orientação do Ministério da Saúde é fazer exames laboratoriais para coronavírus apenas em pacientes graves. No entanto, o ministério aceita notificações da doença com base em diagnósticos clínico-epidemiológicos, ou seja, sem a necessidade de teste. Apesar disso, funcionários de unidades de saúde de SP afirmam que são orientados a não notificar casos sem o exame.
Mudança de metodologia
Para Fernanda Campagnucci, diretora executiva da Open Knowledge Brazil e especialista em transparência de dados, a nova orientação mostra que as estatísticas estaduais precisam ser analisadas com cautela, já que não refletem mais o mesmo cenário que era analisado antes.
"É compreensível que haja mudanças no processo de coleta dos dados, porque a gente está aprendendo a lidar com o vírus, e não há testes suficientes. Mas qualquer mudança na metodologia impacta o resultado. Isso precisa ser comunicado, divulgado, para que as análises sejam feitas com base nessa informação importante da nova orientação", afirma Campagnucci.
Ela lembra que, diante da mudança na metodologia, não é possível afirmar que o estado de São Paulo está conseguindo "achatar a curva" dos gráficos de novos casos. Em coletiva de imprensa na quinta-feira (26) o secretário estadual da Saúde disse que as medidas adotadas em SP para restringir a circulação estão mostrando resultado "bastante efetivo".
"Acho que é muito cedo pra dizer que SP está achatando a curva. A gente não tem dados de qualidade pra fazer essas projeções", avalia Campagnucci.
Uma funcionária do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE), que prefere não se identificar, defende a adoção da nova estratégia.
"Nesta fase atual da epidemia não dá mais pra gente continuar fazendo vigilância de todos os casos. Porque a maioria é caso leve. A partir desse momento que a gente tem esse número enorme de casos confirmados, você passa a focar em evitar que as pessoas morram. E quem é que pode morrer? Casos graves", afirma uma servidora do CVE.
Segundo ela, se a notificação e testagem fossem mantidas para todos os casos suspeitos, os hospitais não teriam equipes para preencher tantas fichas de notificação, tampouco exames para todos os pacientes.
"A gente não esconde dado, se a gente não informa é porque não tem. Duas coisas que ajudam bastante: a imprensa e as famílias. Porque os dois pressionam para não ter subnotificação", avalia a servidora.
Aumento de internações em UTIs
O secretário estadual da Saúde, José Henrique Germann, disse na tarde desta quinta-feira (26) que os casos de pacientes muito graves, internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) após serem infectados pela Covid-19, aumentaram 42% em 24 horas no estado de São Paulo.
Segundo o balanço divulgado nesta quinta (26), o estado tem 84 pacientes em UTIs, entre hospitais particulares e públicos. São 862 casos confirmados e 48 mortes em SP.
"Os pacientes graves internados em UTI são agora 84. Neste último dia houve um acréscimo de 42%. Isso é mais ou menos característico da epidemia, ela tem dias de mais acréscimo e dias de menos acréscimo. Mas ela vem crescendo, o que mostra talvez para nós que as medidas de restrição de mobilidade estão sendo suficientes ou, pelo menos colaborando de forma bastante efetiva, para que a gente tenha 862 casos", afirmou Germann.
De acordo com ele, esse crescimento de mortos e pacientes graves é característico de uma epidemia. "Nós éramos praticamente 90% dos casos do Brasil e agora nós somos 30% dos casos do Brasil. O que significa que existe uma expansão da epidemia de forma acelerada. Se nós formos olhar o número de óbitos, nós tivemos no Brasil 57 óbitos, infelizmente, e no estado de São Paulo, 48. No estado de São Paulo ontem eu anunciei 40 óbitos, então, tivemos um acréscimo de 20% no número de óbitos", disse.