O cineasta José Mojica Marins, conhecido como Zé do Caixão e autor de mais de 40 filmes, morreu aos 83 anos, em São Paulo, na quarta-feira (19), em decorrência de uma broncopneumonia. Ícone do horror brasileiro, o artista concedeu, em 2016, uma extensa entrevista à repórter Larissa Bastos, editora de Cultura do jornal Gazeta de Alagoas.
Além de comentar sobre o medo da morte e a relação com Deus, Mojica detalhou na entrevista o processo que culminou na criação do personagem mais famoso do cineasta, o Zé do Caixão. Mesmo recluso há anos, a morte do artista mobilizou a classe artística e os fãs. O velório ocorreu na quinta-feira (20), no auditório no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo. Mojica deixa sete filhos, que teve com quatro mulheres, 12 netos e um bisneto.
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Confira trechos selecionados da entrevista, publicada originalmente no jornal Gazeta de Alagoas.
Gazeta. Vamos começar do começo? Como José Mojica Marins virou Zé do Caixão?
José Mojica Marins:Foi através de um pesadelo, em que uma figura de negro me arrastava e me levava até o que seria minha cova. Lá estavam minhas datas de nascimento e de falecimento. Eu desviava o olhar para não ver a data da minha morte. Ao acordar, estava inspirado, o personagem começou a ser esboçado desta maneira.
Você disse que sua gestação durou 11 meses... Como assim?
Isso falava minha mãe. Não sei se era um exagero, se era de brincadeira. Mas eu devo ter demorado um pouco mais para nascer mesmo.
Por falar em filhos, os seus filhos, quando pequenos, tinham medo de você?
Pelo Zé do Caixão, não. Mas sou de uma época em que o pai era uma figura forte, e tinha que ser obedecido. Tenho facilidade em elevar a voz, e eles podiam me temer por causa disso. Nunca fui de bater em criança, mas, quanto a gritar, acho que gritava bastante. Mas prefiro dizer que tinham respeito, não medo. Respeito que têm até hoje, foram bem educados, por mim e pelas mulheres que foram mães me tendo como pai das crianças.
Sua filha acabou adentrando no seu mundo. Você esperava isso? Incentivou?
Sim, a mãe da Liz, a Maria, foi minha aluna de arte dramática. Era uma boa atriz, teve uma companhia de teatro, e a Liz trabalhou com ela desde muito pequena. Só depois veio trabalhar comigo. Assim como eu, é uma batalhadora. Incentivo do meu jeito, gosto das coisas que ela faz, ela é bastante perfeccionista. Mas sempre digo que é uma escolha difícil, nem sempre somos reconhecidos como merecemos no Brasil. Eu até posso dizer que tive sorte, mas sou uma exceção. Tem muita gente boa que acabou numa situação difícil por falta de oportunidades.
Para todos nós, Zé do Caixão e José Mojica são a mesma pessoa. E para você? Como separar essas duas "criaturas"?
Por algum tempo até eu acreditava que era o Zé do Caixão. Aos poucos, fui vendo que sou muito mais do que ele. Ele é um personagem, pensa e age de uma mesma forma, pouco muda. Eu, como uma pessoa, mudo sempre, arrisco coisas novas, minhas emoções não são previsíveis. Acho que sou bem mais interessante.
Tem algo que tenha ficado para trás? Algum projeto, um amor...?
Amores são coisas muito íntimas. O que posso dizer é que tive vários, e foram muito bons. Hoje estou com uma mulher que sempre me amou, a Nilce. Nos separamos, e agora voltamos. Amor de verdade não passa. Quanto aos projetos, se viver mais 80 anos ainda não conseguirei filmar todos os roteiros que tenho escritos, fora os que ainda virei a imaginar.
Depois de tanto tempo nesse mundo sombrio do terror, você acredita em forças do mal? E que o bem sempre vence?
José Mojica Marins. O mal existe, sim, e o bem nem sempre vence. Nos meus filmes sempre deixo margem para mostrar que o mal não acabou.
E Zé tem medo da morte?
O medo da morte é a base para o terror. Se ainda penso em fazer filmes de terror, tenho que ter medo da morte. Mas tenho mais medo de uma vida parada, sem novidades. Por isso, se for para continuar produzindo, posso viver mais 80 anos. Se não for assim, quero morrer dormindo, para não saber que estou morrendo. Isso é ter medo da morte?
Como vai ser a hora derradeira para Zé do Caixão? Como quer ser enterrado?
Para o Zé eu não sei, acho que ele é imortal. Morre em todo filme, mas retorna no outro. Não quero que minha morte seja motivo de muita tristeza. Sei que aqueles que me amam ficarão tristes, é verdade. Espero que uma tristeza bem passageira, e que poderão se recordar de mim assistindo aos meus filmes novamente. Nesse sentido, um ator também é imortal.?