A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou na terça-feira (3) a venda de produtos à base de cannabis para uso medicinal no Brasil, mediante prescrição médica.
O tipo de prescrição médica indicada para cada tratamento vai depender da concentração de tetra-hidrocanabidiol (THC), que é o principal elemento tóxico e psicotrópico da planta, ao lado do canabidiol (CBD), conhecido por seus efeitos analgésicos e anticonvulsivantes.
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Estudos científicos já mostraram como essas duas substâncias atuam no combate a doenças como epilepsia e dores crônicas. No entanto, o uso dos derivados de maconha para outras condições, como enxaqueca e Mal de Parkinson, por exemplo, ainda precisa ser estudado mais a fundo, de acordo com especialistas ouvidos pelo G1.
Por isso, entidades médicas como Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) se posicionaram contra a regulamentação do plantio de cannabis no Brasil. Já a agência reguladora de medicamentos norte-americana (FDA) autoriza, desde junho de 2018, o uso de CBD no tratamento de epilepsia.
Abaixo, entenda quais são os principais efeitos dos produtos derivados de maconha, como as principais substâncias agem no organismo e quais doenças elas podem combater:
Indicações médicas
As principais indicações médicas dos produtos derivados de cannabis são para tratar:
Crises epiléticas, especialmente em crianças;
Dores neuropáticas;
Náuseas decorrentes de quimioterapia;
Sintomas do autismo;
Agitação noturna em pacientes com demência;
Espasmos decorrentes da esclerose múltipla.
Segundo Alexandre Kaup, neurologista do hospital Albert Einstein, esses são os usos "comprovadamente eficientes" das substâncias CBD e THC.
Além dessas utilizações, também há estudos preliminares que trazem indícios de que o CBD e o THC têm efeitos positivos para controle de:
Mal de Parkinson;
Alzheimer;
Enxaqueca crônica;
Sequelas de Acidente Vascular Cerebral (AVC);
Glaucoma;
Ansiedade;
Artrite.
Para Kaup, ainda faltam estudos com grande amostragem de pacientes para comprovar que os derivados de maconha também podem ser usados no tratamento dessas doenças.
Segundo o analista de desenvolvimento regulatório e projetos científicos da HempMeds Brasil, Gabriel Barbosa, a maior parte das importações de substâncias derivadas da maconha para tratamento são as do óleo de canabidiol, que contém tanto CBD quanto uma pequena quantidade de THC.
"Trata-se de uma mistura de um óleo integral com o extrato da planta", explicou. "Os canabinoides são lipossolúveis, o que significa que se diluem na gordura, e não na água. E é um produto que não tem somente o CBD, mas mais de 500 componentes."
Com esta forma de extração, o canabidiol atua em conjunto com outros componentes para melhores resultados. "Além das propriedades do CBD, há na solução flavonoides, que têm efeitos anti-inflamatórios", ressaltou Barbosa.
No país, pacientes com quadro de epilepsia são os que mais buscam o medicamento, segundo a HempMeds. No entanto, o cenário é diferente nos Estados Unidos, onde o maior uso de medicamentos à base de maconha é feito por pacientes em tratamento de transtorno pós-traumático.
Efeitos das substâncias
Enquanto o THC presente na maconha é considerado um perturbador do sistema nervoso central, o CBD é um depressor do sistema nervoso central. Por isso, eles têm efeitos muito diferentes no organismo.
"O THC age em três receptores do sistema nervoso e tem atividade analgésica e antiespasmódica. Ele também ajuda na redução de náuseas e vômito e provoca a estimulação do apetite", explica Alexandre Kaup, neurologista do hospital Albert Einstein.
É o THC que altera as funções cerebrais e provoca os mais conhecidos efeitos do consumo da maconha, droga cujo consumo recreativo é ilegal no Brasil. Entretanto, estudos indicam que o THC também pode ser usado como princípio ativo para fins medicinais.
"Ele tem uma má fama, mas não é vilão. Se criou uma impressão de que o THC é ruim, mas há benefícios. Ele só não pode ser usado indiscriminadamente, porque há mais riscos", explica Kaup.
Segundo o neurologista, produtos com THC não devem ser receitados para pessoas com menos de 25 anos, porque existe uma maior indução de efeitos colaterais, como quadros psicóticos.
De acordo com a Anvisa, produtos com dosagem de THC superior a 0,2% precisarão de receita médica restrita para serem vendidos nas farmácias.
Nas formulações com concentração de THC inferior a 0,2%, o produto deverá ser prescrito por meio de receituário tipo B e renovação de receita em até 60 dias.
Já os produtos com concentração superior a 0,2% só poderão ser prescritos a pacientes terminais ou que tenham esgotado as alternativas terapêuticas de tratamento. Neste caso, o receituário para prescrição será do tipo A, mais restrito, padrão semelhante ao da morfina.
Enquanto o THC é considerado mais polêmico, o CBD é o principal ingrediente dos produtos derivados de maconha mais populares no exterior. Ele não causa dependência nem tem efeitos colaterais significativos. Ele tem propriedades anticonvulsivas, ansiolíticas e anti-inflamatórias, além de também agir como analgésico.
"No Brasil são cinco patologias principais que buscam tratamento com CBD: epilepsia, Parkinson, Alzheimer, dor crônica e autismo", afirmou Barbosa, da HempMeds. "No entanto, a Anvisa já autorizou a importação para mais de 60 patologias diferentes."
Segundo ele, os principais efeitos adversos dos produtos a base de cannabis são conhecidos: tonturas, fadiga, euforia e depressão, além de dependência, são as mais citadas. Por isso, é importante que a dosagem e o perfil de cada paciente seja levado em consideração na hora da prescrição médica.