O ministro da Educação, Abraham Weintraub, dividiu opiniões de especialistas e estudantes ao anunciar, na última quarta-feira (3), a implementação do novo projeto-piloto do Ministério da Educação (MEC): a versão digital do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a partir de 2020.
De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a medida será gradual, e começará no ano que vem com apenas 50 mil participantes de 15 capitais, nos dias 11 e 18 de outubro. A transição completa, segundo o instituto, está prevista para o ano de 2026.
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Na hora da inscrição, o candidato optará por realizar o teste no modelo digital ou tradicional, e, em caso de problemas logísticos, ele poderá participar da reaplicação da prova. Com estimativa de gasto de R$20 milhões, Weintraub defende que o projeto-piloto pretende seguir o padrão de outros países, e que agilizará o processo seletivo.
"A pessoa vai até o computador, se identifica, e é feita toda a certificação, com segurança, faz a prova, e recebe todos os comprovantes para ter a tranquilidade de que não terá nenhuma troca, fraude, etc. E com isso ganha-se muito mais agilidade, perspectiva para o futuro e adaptação", explica o ministro.
O quem dizem os especialistas
Em pouco tempo, o anúncio do "Enem digital" dividiu professores, especialistas em educação, e estudantes, que questionam pontos como a acessibilidade de todos os participantes, metodologia da prova, e a segurança dos testes em caso de fraudes.
Professor de biologia há 20 anos e dono de uma isolada em Maceió, Gian Brito concorda que a segurança deve ser um dos principais fatores a serem considerados. "A mudança pode realmente impactar o processo seletivo. O novo método pode abrir margem para tentativas de fraudes, aumentando até a insegurança do aluno quanto a isso", ressalta.
A dificuldade de aplicação da prova no mesmo dia para um grande público digital, também dificultaria a eficiência do processo, segundo o professor, já que os colégios necessitam de vários computadores em bom estado de funcionamento e velocidade rápida de processamento da internet.

Seguindo a mesma linha, o professor de matemática, Jaguar Neto, explica que há uma aversão por parte dos alunos que temem invasões de hackers. "Primeiro, temos que observar como será o processo de fato, no caso a segurança, para que se garanta a legitimidade da prova. Só assim, podemos tranquilizar os futuros alunos em relação ao teste, e, claro, promover a mudança no nosso método de ensino e simulados, se for necessário", expressa.
Apesar de não estar imune a fraudes, o INEP ficará responsável por planejar as medidas de segurança da prova, e argumenta que o procedimento do teste nos meios digitais é mais eficaz.
Já para Beto Brito, professor de literatura e dono de um canal de ensino no youtube, o projeto impactará positivamente. "Já esperávamos algo parecido, até porque o papel deixará de ser usado. A maioria dos professores acha o método digital melhor e mais confiável, já que permite uma melhor logística da aplicação, maior controle de fraudes e eficiência na resolução", defende.
A medida também surpreendeu, principalmente, os estudantes. Tentando o vestibular de medicina desde 2016, a estudante Larissa Lóssio, expressa que a decisão a afeta diretamente. "Eu me preparei a vida inteira com o papel, então fazer uma prova extensa de 90 questões durante horas em um computador, vai ser muito mais cansativo para a vista. Em outros pontos, encaro a mudança como algo utópico, porque ela não inclui os alunos de escola pública, que não têm essa acessibilidade a esses recursos".
Desigualdade
Analisando o contexto da educação brasileira, as reformas do ensino médio precisam ser estruturais. Assim defende a pedagoga do Instituto Federal de Alagoas (Ifal), Margareth Nunes. Ela argumenta que a medida não proporciona as mudanças necessárias, e que várias questões precisam ser solucionadas antes da transição da prova para o modelo digital. "Primeiro, o governo precisa investir na educação básica como um todo, no currículo e capacitação dos professores, que trabalham na precarização, principalmente em escolas públicas. Além de problemáticas como a permanência do aluno e o transporte deficitário. Tudo isso precisa ser trabalhado antes", salienta.
Uma das principais dúvidas levantadas após a divulgação do "Enem digital", a desigualdade social, regional e a falta de inclusão digital podem influenciar diretamente no resultado dos testes. Nos primeiros anos, alunos de escolas privadas terão vantagens sobre os estudantes da rede pública, por estarem familiarizados com as ferramentas de informática, afirma a pedagoga.
"Será necessário criar condições de acessibilidade aos programas para os alunos de escola pública, e questões de logística, que eu não sei se podem ser resolvidas em sete anos, porque o ensino médio precisa de grandes mudanças estruturais. Os professores terão que se capacitar para orientar o aluno, e isso é difícil no colégio público, devido às péssimas condições e a precarização do próprio profissional de ensino. O processo será mais articulado e acelerado na rede privada", ressalta.