O vendedor ambulante Anatólio Silva, de 57 anos, ficou famoso nas ruas do Humaitá, no Rio de Janeiro. Ele criou uma 'armadura' com ralos de pia e começou a ser apelidado de homem de lata, prateado, super-herói e até astronauta. Ele anda pelo local com a sua bicicleta cheia de produtos.
Há oito anos trabalhando na rua, ele viu seu ofício mudar quando sua loja, no Centro do Rio, pegou fogo. "Perdi quase tudo e precisava vender as mercadorias que tinham sobrado. Arranjei uma bicicleta e tive a ideia de vender as coisas pela rua. Deu tão certo que comprei mais mercadoria para vender e estou até hoje", relembra.
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Anatólio é o sétimo personagem da série "Bem do Rio". Em reportagens especiais, o G1 mostra a história de cariocas - da gema ou de alma - que nutrem uma relação especial com a cidade.
Anatólio não é o único morador do Rio que tenta se sustentar na informalidade. De acordo com dados do IBGE, o Estado do RJ fechou o primeiro trimestre de 2019 com 1,3 milhão de pessoas desempregadas.
Destas, 528 mil tentavam se recolocar no mercado de trabalho há mais de dois anos. Dentre os 735 milhões de ocupados, cerca de 2,7 milhões trabalhavam de modo informal, sendo 638 mil sem carteira de trabalho assinada, e outros 2 milhões como conta própria. Só na capital, havia com 469 mil desempregados e outros 105 mil trabalhadores subocupados.
Montagem diária
Na sua bicicleta estilizada, Anatólio começa a montagem da sua "loja" antes das 5h. Antes mesmo das 6h, os primeiros clientes passam procurando por novidade. Mas só às 9h que o vendedor ambulante se dá por satisfeito e chega ao fim da montagem para mais um dia de trabalho.
"Tem que estar bem organizado e bonito. Eu sinto que aqui é como se a gente estivesse em um sítio. O cliente passa e vê uma árvore com várias coisas para ele escolher. E, se pelo menos a pessoa não comprar, ela vai passar e admirar algo bem arrumado", explica.
Minha bicicleta permite que as pessoas entrem em um mundo novo. Está tudo muito perto da mão", diz, orgulhoso, entre uma variedade de produtos.
Ralo de pia, coador de café, tesoura, alicate, cortador de unha, espelho... Tudo junto para que não falte nada. Até mesmo o tão na moda canudo de metal e a "esponja energizada", seu produto exclusivo.
"O diferencial é a energia que eu passo para a esponja. Todo mundo que compra, recebe a energia boa que eu coloquei ali. E nada melhor do que você começar o dia com boas energias."
O homem que brilha
Para se diferenciar de tantos outros ambulantes, Anatólio capricha na arrumação da bicicleta - sua fiel escudeira - e para isso criou um uniforme especial: uma "armadura" feita de ralos de cozinha confeccionados por ele mesmo, que são seu carro-chefe de venda, garante Anatólio.
"Sempre chegava algum cliente e, para atender, eu pendurava em mim o ralo que estava fazendo ali na hora. E sempre tinha algo pendurado em mim. Às vezes, quando eu estava sem nenhum pendurado, os clientes sentiam falta. Nisso, surgiu a ideia de fazer uma armadura com o produto que eu mais vendia, para chamar atenção. Comecei com a pulseira, os cordões, uma bota e, por último, fiz o capacete. Aí, nasceu o Homem de Aço. Brilhante como o aço", explica Anatólio.
E, mais do que um mostruário de seu produto mais vendido, Anatólio garante que o seu Homem de Aço tem muito mais por trás da armadura brilhante. "O Homem de Aço é exatamente isso: uma pessoa no meio do caminho que passa um pouco de brilho para as pessoas. Mesmo que alguém não compre nada, para pra conversar, tira uma foto e leva um pouco da minha luz para o seu caminho", conta.
Personagem carioca
Figura conhecida na vizinhança, Anatólio diz que as pessoas se espantam quando o veem. Mas, para ele, é sempre uma surpresa. "Quando me veem pela primeira vez é sempre um espanto. Mas um espanto feliz, de surpresa, e acompanhado de um sorriso. Já faço parte do folclore do Rio. Os turistas falam que eu sou uma das coisas mais incríveis que eles viram aqui", garante.
"A rua para mim é liberdade. Ela te permite ser livre, fazer o que você quiser e puder. E todo mundo me procura e já sabe que eu estou aqui. É como se eu fizesse parte da vizinhança. Para mim, a vantagem de ser um ambulante diferente é que as pessoas criam uma intimidade com você. A vida está tão arriscada, as pessoas estão tão inóspitas, que existe um medo de falar com as pessoas estranhas. Mesmo que seja um vendedor. E comigo isso não acontece."