Sentada à mesa do café repeti inconsciente o gesto de minha mãe.
Sobre o pano rosa e branco de crochê procuro tateando o remédio que tomo religiosamente toda manhã.
Apercebo-me repetindo com alguma insegurança a apreensão do comprimido entre os dedos.
Reflito, lembrando a canção que Elis Regina interpretava tão bem: ”ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.”
Repetimos apesar de todo esforço da nossa geração para sermos diferentes.
Desejávamos viver cercados por liberdade mais ampla.
Acatamos novos costumes e comportamentos que fariam a indignação até dos menos conservadores; e seguimos em frente abrindo fronteiras que pareciam inexpugnáveis.
Acreditávamos estar criando um novo mundo.
Moderna percepção do viver.
Lemos Aldous Huxley (as portas da percepção); nos encantamos com J. Steinbeck (As vinhas da ira, A leste do Éden); e depois de lermos Arthur Miller (Nexus, Plexus e Sexus) e Vladimir Nabocov (Lolita), nada mais nos espantaria.
Alguns de nós, mais afoitos, experimentaram canabis sativa, cogumelos alucinógenos, haxixe.
E assim, perderam-se, e não completaram sua história.
Aventureiros, desejando descobrir o Nirvana, foram para Índia viverem experiências místicas em Ashams.
A maioria ficou e construiu essa sociedade que vivemos e que infelizmente, para mim, perdeu-se entre o excesso de permissividade e as infinitas opções que nos oferece a modernidade.
A chegada da Internet foi o grande divisor de águas, o Marco inicial do futuro midiático de infinitas possibilidades.
E hoje, corremos o grande risco de perder as novas gerações pelo excesso e facilidade de uma infinidade de caminhos que podem ser livremente escolhidos, deixando nossos jovens perderem por excesso de opções o direito de escolha; pois no labirinto de tantas e variadas possibilidades eles se perdem.
Existem tantos e variados caminhos que essa facilidade os confunde e paralisa ou debandam para o lucro e notoriedade fácil e instantânea dos influencers, ou simplesmente cruzam os braços.
No entanto, tenho quase certeza, a ancestralidade, no futuro os tornará iguais aos seus pais.
Vejam o que a maturidade faz, entrei o ato de pegar um comprimido e tomar um gole de café…
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Yaradir de Albuquerque Sarmento
É sócia efetiva da AAL, ocupa a cadeira 14 desde 2015 publicou o primeiro livro em 2013: versos sem reverso - editor Benedito Ramos Amorim, no ano seguinte publicou outro livro de poemas: Maquinações Poéticas com o mesmo editor e logo em seguida o romance: Sonho de Uma Noite na Índia lançado sob a edição de Benedito Ramos Amorim no ano 2016. O nascimento de vênus livro de poemas publicado em 2019 - editora CBA. em 2021 - editora Viva - Um Jeito Feminino de Ser Crônicas e Contas. 2021 - editora Viva - Camaleoa - Romance 2023- editora Viva - Poemas Esquecidos - aguardando lançado. Pintora autodidata fez duas exposições no MISA - 2014 e 2019. uma exposição coletiva no parque shopping. Sua pintura é espontânea, tem traços de impressionismo, no entanto as cores são sua paixão e desafio, flores e mulheres místicas são seu tema favorito. Quer através da pintura resgatar o divino no feminino, a deusa geratriz que impulsiona a humanidade para a procura do bem e o belo, tanto externamente na natureza que nos cerca quanto interna na força do espírito que constrói e eleva o homem aos paramos dos deuses.