
O futebol brasileiro vive hoje a sua “Era das Apostas”. E diferente da “Máfia da Loteria” dos anos 80 e da “Máfia do Apito” nos anos 2000, agora não precisa de um esquema cinematográfico: basta um cartão amarelo, um pênalti forçado ou uma substituição “planejada”. E um jogador. Um só.
Ou melhor: vários. Ao mesmo tempo.
Porque o novo modus operandi das quadrilhas é mais ousado: o aliciamento múltiplo.
Funciona assim: o grupo combina com cinco ou mais atletas que vão receber cartão amarelo na rodada. Apostas múltiplas são feitas com essa combinação, espalhadas em vários CPFs. O risco de erro é mínimo. O lucro, bilionário. E pra garantir o “cumprimento do combinado”, tem atleta que recebe adiantamento e vira recrutador de colegas.

Quer prova?
Lembra do jogo entre Fluminense e Goiás, no Brasileirão de 2022?
Partida empatada até os 6 minutos do segundo tempo. Dadá Belmonte é expulso após entrada dura em Ganso. O Fluminense faz três gols na sequência. Em mensagem obtida pelo Ministério Público de Goiás, um apostador confirma: “o cartão foi combinado”.
Essa é a nova face do problema. E ela já está no nosso quintal.
A verdade é que preservar a lógica desportiva e a integridade das apostas é um desafio monumental. Só no Brasil, são quatro divisões nacionais, dezenas de estaduais e milhares de partidas por ano. É um sistema imenso, com muitos agentes, informações que circulam soltas e uma estrutura de controle ainda amadora.
Como blindar um ambiente assim?
Com a regulamentação das apostas no Brasil, o dinheiro entrou sem freio. Marketing pesado, patrocínios em massa, cifras monumentais. Mas cadê o investimento em rastreamento de dados? Cadê o aparato de inteligência? Cadê o cuidado com o torcedor? Quem fiscaliza ?
Felipe Luís, que sempre falou com lucidez, foi direto: “As apostas são a droga da vez. Um dia vamos olhar pra trás como olhamos pros patrocínios de cigarro na Fórmula 1: e pensar ‘como deixaram isso acontecer?’”
Sim, as bets vieram pra ficar.
Mas é urgente colocar freios.
Não apenas pra proteger o jogo — mas pra salvar o torcedor.
Pra cuidar de quem aposta compulsivamente, de quem transforma o gol do time num bilhete de loteria.
E, principalmente, pra punir quem aceitou transformar amor em estatística.
Sou do tempo em que futebol era jogado pra vencer — e não pra cumprir odd.
Se ainda restam dúvidas, é só prestar atenção: tem sempre alguém do “núcleo do atleta” que sabe quem vai tomar o terceiro amarelo, quem tá pendurado, quem vai ser poupado.
E quando essa informação escorre pela rachadura do sistema, o jogo já tá vendido.
A verdade? O jogo tá sendo feito.
E o prejuízo não é só técnico. Nem só moral.É humano.
Porque além de manchar a credibilidade do esporte, as apostas descontroladas alimentam um vício silencioso que consome famílias inteiras. Mexem com quem vive o futebol na arquibancada, no radinho, na pelada do fim de semana.