Um dinossauro do porte de um lobo, com agilidade e comportamento de um predador, que pode ter habitado o Brasil e a Argentina há mais de 230 milhões de anos, foi o foco de um estudo recentemente publicado na Nature Scientific Reports, uma das principais revistas científicas do Reino Unido.
Com uma microtomografia computadorizada de um fóssil encontrado há 20 anos no Rio Grande do Sul, pesquisadores da USP de Ribeirão Preto e da Universidade Ludwig-Maximilians, de Munique, recriaram o cérebro de um ancestral dos saurópodes, gigantes herbívoros de até 40 metros de altura e 90 toneladas, conhecidos como os maiores dinossauros a habitarem a Terra no período Cretáceo.
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Diferente destes, o Saturnalia tupiniquim tinha mais desenvolvidas determinadas regiões do cérebro importantes para a caça, o que corroborou evidências anteriores levantadas com a composição de seus dentes.
"Essa área do cerebelo está ligada à coordenação de movimentos da cabeça, do pescoço e também dão a possibilidade de o animal predador manter o foco em sua presa", afirma Mario Bronzati Filho, um dos pesquisadores que assinam o estudo.

Cérebro recriado
O fóssil que deu origem à descoberta foi encontrado em Santa Maria (RS) em 1998.
"Na época eu estava começando meu doutorado e a gente foi pra campo. Encontramos três esqueletos do que era na época uma espécie desconhecida. Posteriormente a gente conseguiu descrever, dando nome ao animal, mas muita coisa ainda ficou para ser estudada, uma delas eram os ossos cranianos", afirma o paleontólogo Max Lunger, da USP de Ribeirão Preto.
Na recente pesquisa, um microtomógrafo computadorizado foi capaz de preencher os espaços vazios. Com isso, os pesquisadores conseguiram reconstituir, de maneira virtual, o cérebro do Saturnalia tupiniquim.
De acordo com os estudiosos, esse é o animal mais antigo que teve o cérebro reconstituído. A maior parte da anatomia do dinossauro já era conhecida pelos cientistas.

"Esse procedimento é igual a um que a gente faz, o tomógrafo, tem mais resolução, consegue pegar mais detalhes, a gente coloca o fóssil, que era parte do crânio nesse tomografa e com isso a gente consegue ter acesso em 3D a toda estrutura interna do fóssil e da rocha onde o fóssil está preservado", diz Bronzati Filho, que conduziu o estudo no laboratório da universidade alemã.
O trabalho mostrou que o ancestral dos saurópodes, com aproximadamente 10 quilos e 1,5 metro de comprimento, tinha determinadas estruturas do cerebelo - chamadas flóculo e paraflóculo - bem mais desenvolvidas do que os grandes herbívoros que o sucederam na cadeia evolutiva.
Regiões estas que, dentro dos estudos neurológicos e no comparativo com animais modernos, estão associados à capacidade de controlar movimentos voluntários da cabeça e do pescoço, além de estabilizar a visão.
"A gente viu que o Saturnalia tinha todos esses mecanismos neurológicos, tinha essa área do cérebro desenvolvida. São habilidades que um predador precisa, que é ter reflexo rápido, movimento de cabeça e pescoço, para poder capturar presas pequenas. E os saurópodos não possuem essa estrutura, eles são animais herbívoros", explica.
A descoberta muda a concepção anterior de que toda a linhagem de saurópodes se alimentava apenas de plantas e dá subsídios para novos campos de pesquisa sobre a evolução dessas espécies, que deixaram de existir há 65 milhões de anos.
"A dentição dele já nos indicava que provavelmente ele se alimentava também de animais e isso ficou de certa forma comprovado pelo estudo do cérebro dele", diz Lunger.
