A saída da superintendente do Instituto de Patrimônio Histórico Nacional em Minas Gerais (Iphan), Célia Corsino, está causando polêmica no estado. A museóloga, com mais de 30 anos de carreira na proteção de patrimônio, foi substituída por um cinegrafista da Câmara Municipal de Juiz de Fora, na Zona da Mata.
A nomeação de Jeyson Dias Cabral Silva, de 41 anos, como superintendente do instituto no estado foi publicada nesta quinta-feira (26) no Diário Oficial da União. Ele foi indicado ao ministro da Cidadania, Osmar Terra, pelo deputado federal Charlles Evangelista (PSL-MG).
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O Iphan em Minas reúne 50% de todo o patrimônio tombado do país e é uma das superintendências mais complexas existentes dentro da estrutura do instituto nacional. Minas Gerais tem nove cidades totalmente tombadas pelo Iphan.
A nomeação de Jeyson causou revolta na comunidade de proteção do patrimônio em Minas Gerais. O ex-presidente do Iphan Ângelo Oswaldo, que já foi prefeito de Ouro Preto, se disse indignado com a substituição de Célia Corsino.
"É chocante saber que ela [Célia Corsino] foi drasticamente eliminada e substituída por um cinegrafista da Câmara Municipal de Juiz de Fora que não apresenta as qualificações exigidas até pela Constituição para exercer o cargo", disse Ângelo Oswaldo.
Jeyson reconhece que foi indicado ao cargo pelo deputado federal. Ao G1, ele disse que é formado em História e Geografia, com pós-graduação em Geografia e Gestão do Território pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), mas confirmou que não tem experiência na área de patrimônio. Apesar disso, ele afirmou que preencheu todos os requisitos exigidos pelo Ministério da Cidadania para o cargo.
O novo superintendente disse que entende a preocupação de todos, mas que pretende conversar com os envolvidos no processo e continuar o trabalho que era executado por Célia.
A reportagem entrou em contato com o Iphan, em Brasília, com o Ministério da Cidadania e com o deputado federal Charlles Evangelista (PSL-MG) e aguarda retorno.
?Desmanche?
"Os meios culturais de Minas Gerais e do Brasil recebem com perplexidade e indignação o desmanche do Ministério da Cidadania promove em uma das instituições mais respeitadas do país", disse o ex-presidente do Iphan, o mineiro Ângelo Oswaldo.
Ângelo Oswaldo é reconhecido nacionalmente como um dos maiores especialistas em patrimônio histórico e cultural do Brasil. Já foi prefeito de Ouro Preto e esteve também à frente da Associação de Cidades Históricas de Minas Gerais.
Ele disse que, desde sua criação, em 1937, a independência do Iphan é respeitada. Um artigo da Constituição Federal determina as obrigações do Estado, da sociedade e do cidadão em relação à política pública de proteção do patrimônio.
Oswaldo afirmou que, nem no período da ditadura militar brasileira, o instituto sofreu interferências como as que estão acontecendo nestes dias.
"Nacional e internacionalmente, o Iphan é tido como uma instituição modelar. A Unesco sempre o considerou um exemplo de organização nacional em defesa do patrimônio cultural", disse.
Ângelo Oswaldo comparou o Iphan ao Itamaraty ao explicar que ambas as instituições constituem carreiras de estado e que "não se trata de uma tarefa burocrática comum, mas de uma missão".
Manifesto da Associação de Cidades Históricas
No dia 14 de agosto deste ano, a Associação de Cidades Históricas de Minas Gerais, que reúne 30 municípios mais antigos do estado, enviou um ofício ao ministro Osmar Terra manifestando o apoio à permanência de Célia Corsino como superintendente do Iphan no estado. Este pedido foi assinado como unanimidade pelas cidades.
O presidente da associação, José Fernando Aparecido de Oliveira (PV), prefeito de Conceição do Mato Dentro, se disse apreensivo com a mudança e que vai convocar uma reunião dos representantes de 30 municípios para debater o tema.
Célia Corsino
A museóloga Célia Corsino disse que foi acordada nesta quinta-feira (26) com uma ligação a informando de sua exoneração. Nem ela sabia que seria retirada do quadro do Iphan até a publicação do Diário Oficial da União.
Ao G1, ela disse que está preocupada não com sua saída, mas com a nomeação de uma pessoa sem experiência em patrimônio.
"A questão toda que se discute não é que não se possa tirar a superintendência. Mas que se coloque uma pessoa da área, com uma história na área", disse.
Célia informou que a gestão do patrimônio em Minas é um desafio porque 50% de todo os bens tombados no Brasil estão no estado. Além disso, nunca foi indicada uma pessoa para assumir o Iphan em Minas sem experiência.
Célia trabalha com patrimônio histórico e cultural desde 1974. Natural do Rio de Janeiro, ela trabalhou décadas dentro do instituto e chegou a ser superintendente do Sudoeste brasileiro na década de 80.
Em 2002, foi chamada por Ângela Gutierrez para fazer coordenação museológica do Museu de Artes e Ofícios, em Belo Horizonte, onde ficou por nove anos. Em 2015, foi nomeada superintendente do Iphan em Minas, cargo que ocupou até esta quinta-feira (26).