Seis meses após os confrontos que vitimaram 26 detentos em Alcaçuz, o maior presídio do Rio Grande do Norte ainda não reconquistou a segurança necessária. Dos cinco pavilhões que fazem parte do complexo, quatro foram totalmente reformados, mas dois estão vazios. E um deles, o palco da matança, permanece destruído e desativado. O motivo? Número insuficiente de agentes penitenciários para fazer a vigilância dos internos.
A Secretaria de Justiça e da Cidadania (Sejuc), responsável pelo sistema prisional do estado, confirmou que a falta de efetivo é o motivo para a não reocupação dos pavilhões de Alcaçuz. No entanto, disse ao G1 que, "por medida de segurança", não pode esclarecer a quantidade de agentes que trabalha atualmente no complexo. Isso inclui a penitenciária propriamente dita, como também o Presídio Estadual Rogério Coutinho Madruga, que fica colado a Alcaçuz.
Leia também
Enquanto o Estado faz segredo, servidores do complexo revelam que a escala diária, juntando os dois presídios, não chega a 20 agentes. Férias, licenças médicas e faltas não justificadas diminuem ainda mais o efetivo. "Tem dia que não tem nem 10 trabalhando. Quero ver quando os agentes federais que estão aqui foram embora", questionam.
Neste domingo (16), quase 15 mil pessoas devem participar de um concurso público em busca das 571 vagas para agentes penitenciários abertas pelo Estado. As provas acontecem em Natal e Mossoró. Contudo, a função não é assumida de imediato. Depois de aprovado, o candidato ainda deve vencer outras etapas, como os exames físico e psicológico.

A Sejuc acredita que até o final do ano os aprovados sejam nomeados. Até lá, os pavilhões vazios devem permanecer do jeito que estão, e o déficit de pessoal vai continuar. A saída para o Estado é conseguir a manutenção e ampliação da presença dos quase 100 agentes federais que compõem a Força Tarefa de Intervenção Penitência (FTIP) em Alcaçuz.
A turma chegou ainda no final de janeiro, quando as rebeliões foram controladas. O problema é que o prazo de permanência destes agentes federais no RN acaba dia 23 deste mês, quando vence o último decreto publicado pelo Ministério da Justiça. Nele, há o recado de que a autorização para a atuação da força tarefa não será mais prorrogada. A Sejuc garante que já pediu para que o reforço seja aumentado e que a força tarefa fique mais tempo no estado, pelo menos até que os novos agentes concursados sejam incorporados.
O massacre
A Penitenciária Estadual de Alcaçuz tem 19 anos. Fica em Nísia Floresta, cidade da Grande Natal. O massacre aconteceu no final da tarde do dia 14 de janeiro, quando membros de duas facções criminosas rivais se digladiaram. Começou quando detentos do pavilhão 5, dominado pelo ?Primeiro Comando da Capital? (PCC), invadiram o pavilhão 4. Lá estavam presos que fazem parte do ?Sindicato do Crime do RN?. Dos 26 presos mortos no confronto, 24 tombaram dentro do PV4. Quinze corpos foram encontrados sem cabeças. Três deles, totalmente carbonizados.

Pavilhões ocupados
Ainda em meio ao caos, uma das medidas adotadas pelo Estado para a retomada de Alcaçuz foi dividir a penitenciária ao meio. Inicialmente, contêineres foram empilhados separando as facções rivais. De um lado, ficaram os pavilhões 1, 2 e 3, com os presos do 'Sindicato'. Do outro, os pavilhões 4 e 5, com os do PCC. Posteriormente, já com o complexo dominado pelos agentes, um muro de concreto com quase 100 metros de comprimento por 6 metros de altura foi erguido no lugar da estrutura de ferro.
O primeiro a passar pelas reformas foi o Pavilhão 5. Ficou pronto em março, quando a Sejuc transferiu todos os presos dos pavilhões 1, 2 e 3 para lá. Para que os rivais não voltassem a se matar, foi preciso empregar todo o contingente de agentes penitenciários federais disponível no estado. Os grupos foram dividos em alas. Na época, o PV5, que tem capacidade para 402 detentos, chegou a suportar 1.200 homens.
No dia 2 de maio, a reforma do pavilhão 3 foi concluída. Até então, ele é o único para onde os internos retornaram após a conclusão das reformas. Nele, atualmente, encontram-se 365 detentos. Outros 20 dormem em um prédio chamado de 'setor dos trabalhadores', que é destinado aos apenados que atuam na cozinha e limpeza da unidade.

Pavilhões vazios
As obras de recuperação do pavilhão 1 foram as últimas a serem entregues. Aconteceu no dia 20 de junho. Antes, no dia 31 de maio, havia sido concluída a reforma no pavilhão 2. Ambos, no entanto, continuam sem ninguém.
Depois do massacre, o pavilhão 4 passou a fazer parte do Presídio Rogério Coutinho Madruga. Palco da matança, ele não foi reformado e permanece desativado. A Sejuc diz que pretende recuperá-lo também, mas não há data para isso acontecer.
Custos
A recuperação do complexo penal de Alcaçuz foi orçado em aproximadamente R$ 3,2 milhões. Somente na reforma dos pavilhões 1, 2 e 3 e na construção de uma cerca na área externa, foram gastos R$ 2.693.214,20, segundo a Secretaria de Infraestrutura. Outros R$ 600 mil foram aplicados na reconstrução do pavilhão 5, de acordo com a Secretaria de Justiça e da Cidadania.
Os serviços executados contemplaram a concretagem para vedar os buracos das celas, reposição das grades, recuperação da rede elétrica e hidrossanitária, recomposição da cobertura e recuperação estrutural, paredes, pisos e lajes.
Mortos sem identificação
Das 26 vítimas de Alcaçuz, quatro ainda não foram identificadas. Amostras de três corpos - justamente os que foram encontrados queimados - foram enviados pelo Instituto Técnico-Científico de Perícia (Itep) para testes de DNA em Salvador. Os exames já retornaram ao Rio Grande do Norte, mas as análises ainda não foram concluídas. Um quarto corpo foi enterrado como indigente, uma vez que ninguém apareceu para tentar reconhecê-lo. Porém, amostras de DNA dele também foram retiradas e estão armazenadas.
Além dos quatro mortos sem identificação, o Itep ainda precisa responder de quem são os fragmentos de ossos encontrados no mês de maio dentro de Alcaçuz. Os restos mortais foram descobertos durante as obras de recuperação dos pavilhões. O instituto já confirmou que são humanos, mas ressaltou que somente testes de DNA poderão dizer se pertencem a uma única pessoa ou de mais de uma vítima. Contudo, as amostras ainda não foram submetidas a exames de comparação genética.

Desaparecidos
Também em maio, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) - órgão que funciona em conjunto com o Ministério dos Direitos Humanos - divulgou um relatório no qual informou ter constatado que 71 presos de Alcaçuz estavam ?desaparecidos?. Ou seja, os nomes apareciam como custodiados na penitenciária, mas depois da recontagem dos internos não apareciam na lista dos sobreviventes, não contavam na relação dos 56 detentos considerados fugitivos e muito menos foram enumerados como mortos.
O relatório, que chegou a ser enviado a órgãos internacionais, como Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização dos Estados Americanos (OEA), dizia: "Como mencionado, há 71 pessoas que constam estar em Alcaçuz, mas que não estão. Elas podem ter tido transferência não registrada, fugas/recapturas não contabilizadas, ou óbitos não reconhecidos [?]. É possível que o número de mortes se aproxime à estimativa inicial, ou seja, 90 mortos".
Somente no final de junho, a pedido do G1, a Sejuc veio a público afirmar que conseguiu ter informações de todos os 71 ?desaparecidos?. No entanto, existe uma família que contesta o governo. O pai de um ex-lutador de jiu-jitsu que cumpria pena por tráfico de drogas ainda não sabe onde o filho está.
Guilherme Ely Figueiredo da Silva, de 36 anos, estava preso no pavilhão 4 de Alcaçuz quando estourou a rebelião. Foi quando o técnico em educação Francisco Luiz recebeu uma ligação de dentro da penitenciária. "Um colega de cela do meu filho disse que tinham matado ele. Mas, depois de todo este tempo, o nome do meu filho não aprece na lista dos mortos e nem dos que fugiram", relata o pai. "Então, onde está o meu filho?", questiona o pai de Guilherme.
Sobre a situação do preso, a Sejuc disse que trabalha com a hipótese de que sua identificação corresponda a um dos três corpos carbonizados. No entanto, de acordo com o Itep, a família de Guilherme não foi procurada para a coleta de material para os exames de DNA.
"Nos prometeram que assim que mandassem as amostras para o laboratório eu seria chamado para coletar material para uma comparação genética. Só que eu ainda estou esperando", ressaltou o pai do preso desaparecido.
Culpados
A Polícia Civil segue em busca dos culpados pelo massacre. No entanto, devem ser punidos apenas quem vier a ser responsabilizado pelos homicídios. É que, por falta de materialidade e indícios de autoria, foram arquivados os processos que tramitavam contra 111 detentos. Além deles se livrarem da denúncia por danos ao patrimônio público, também não mais responderão por associação criminosa, resistência, motim, apologia ao crime, porte ilegal de arma de fogo e tráfico de drogas.
Por homicídio qualificado, apenas cinco detentos foram indiciados. Apontados como chefes do PCC no Rio Grande do Norte, eles foram transferidos do Pavilhão 5 para o Presídio Federal de Porto Velho, em Rondônia. São eles:
Matanças
O Rio Grande do Norte foi o terceiro estado a registrar matanças em presídios em 2017. Na virada do ano, 56 presos morreram no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus. Outros oito detentos foram mortos nos dias seguintes no Amazonas: 4 na Unidade Prisional Puraquequara (UPP) e outros 4 na Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoal. No dia 6 de janeiro, 33 foram mortos na Penitenciária Agrícola Monte Cristo (Pamc), em Roraima.
Governador do RN, Robinson Faria classificou o massacre de Alcaçuz como "retaliação" ao que ocorreu em Manaus, onde presos supostamente filiados ao PCC foram mortos por integrantes de uma facção do Norte do país.