Laís Fernandes Beltrão tinha apenas cinco meses que estava na barriga da mamãe quando veio ao mundo. O peso? 715 gramas. Considerada uma prematura extrema, viveu os primeiros quatro meses de vida na Maternidade Santa Mônica, em Maceió. Ela foi considerada a bebê mais prematura a 'morar' no hospital em 2016.
Dar à luz em 24 semanas foi um susto para Katherine Neves que, ao entrar em trabalho de parto, conseguiu segurar por 11 dias até que Laís nascesse. Mas o susto não parou por aí: devido às complicações da prematuridade da filha, Katherine se viu num dilema: abrir mão dos cuidados da bebê na sua própria casa, para ficar 24 horas por dia dentro de um hospital.
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Isto porque a 'Guerreirinha' - como a própria mãe a denomina - teve problemas graves para um ser que acabara de nascer: paradas respiratórias, sopro no coração e até hemorragia cerebral de grau 2. Além disso, a pequena Laís precisou fazer cirurgia de Retinopatia, porque sua retina estava se fechando e corria o risco de ficar sem enxergar, devido à exposição excessiva ao oxigênio.

"Os médicos não deram nenhuma esperança de que ela sobreviveria", afirma Katherine, cuja filha ficou internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) da Santa Mônica. "Eles [os médicos] me falavam que ela estava estável, mas que a situação era gravíssima porque ainda não estava totalmente formada", complementa.
O sentimento era de desespero. Primeiro porque presenciava de perto o estado grave de saúde da filha; segundo porque as condições de pegá-la no colo e amamentá-la diretamente dos seios eram mínimas; e terceiro porque não podia levá-la para casa e tomá-la aos seus próprios cuidados e de familiares, tendo que dividir todos os encargos com médicos, enfermeiros e demais profissionais da saúde.

Além de todos estes fatores, Katherine ainda tinha que conviver com problemas de outras mães, já que ela passava o dia e a noite inteira na maternidade e voltava para casa apenas para dormir.
"Era uma instabilidade emocional gigante. Eu tentava arrumar forças em qualquer coisa para ter coragem de continuar voltando lá todos os dias", expõe a mamãe, que acrescenta: "tinham dias que eu passava o dia todo chorando do lado da incubadora".
Contudo, o ambiente hostil de um hospital permite que algumas boas ações ocorram. Segundo Katherine, compartilhar os dilemas entre si, faz com que as mamães criem uma rede de ajuda mútua. Apesar de haver acompanhamentos de profissionais como neonatologistas, cardiologistas, pneumologistas, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e enfermeiros, para Katherine, a troca de experiências entre pessoas que passam pela mesma situação faz toda a diferença.
"A gente conta uma para a outra os casos dos filhos, as melhoras, as conquistas dia após dia. As antigas ajudam as novas nas atividades. Tenho amigas até hoje que fiz no tempo em que fiquei na UTI", diz a mãe, que afirma que se distraía produzindo artesanalmente bonequinhos de feltro para os bebês.
Na época, Katherine Neves precisou abrir mãos de muitas coisas para viver integralmente à filha. Uma delas foi deixar a faculdade de Direito. "Esses quatro meses eu não fiz nada da vida a não ser ficar com ela e me preparar para ela vir para casa", conta.
O pai da criança, por sua, sempre foi muito presente. As visitas ocorriam todos os dias quando ele buscava Katherine no hospital. Ela conta que ele só quis pegar Laís no colo, depois que a bebê deixou de usar os aparelhos. "Ele tinha medo achando que iria machucá-la, porque ela era muito pequena".
Toda a rotina no hospital foi registrada e publicada no Instagram Eusouprematura, que conta toda a história de luta e superação de Laís.
A vinda de Enzo ao 7 meses

Após uma infecção urinária, a bolsa da mamãe Bárbara Mirelly se rompeu quando ela ainda estava no sétimo mês de gestação. Foram três dias no Hospital Universitário a espera de uma vaga na UTI. A angústia de um parto prematuro foi apenas o início de uma sequência de sustos vivenciados por ela. Ao gerar o menino Enzo dos Santos, Bárbara sentiu a angústia de não saber onde estava seu bebê.
"Transferiram meu filho sem me avisar, fiquei desesperada porque não informavam para onde ele tinha ido", conta. Enzo foi levado para a Maternidade Santa Mônica, que é referência em bebês de alto risco. Lá, ele precisou ficar em uma incubadora por 10 dias. Assim como Katherine, Bárbara não pode dormir no hospital, mas fazia diversas viagens durante os três horários do dia para ficar perto do filho. Na verdade, ela precisou ficar por alguns dias na casa de uma tia que mora próximo a unidade de saúde.
"Nesses dias teve uma chuva, faltou energia, entrou água na Santa Mônica e fomos transferidos à meia noite. Foi barra", exclama.
"Enzo era saudável, mas toda mãe quer ir para casa", conta. O único problema era o peso. Ele estava com 1 kg e 500 gramas, mas o hospital só libera a partir dos 2kg, que é o peso considerado normal. Apesar da situação mais amena, Bárbara conta que só pode colocar o filho no colo depois do sétimo dia de nascido. Nos primeiros dias, a amamentação ocorria através de uma sonda, depois que ela retirava o leite dos seios.
"Era bem triste a sensação de não saber se ele iria ficar bem. Eu via outras crianças com problemas e vi até um óbito. Era massacrante", afirma.
Ao todo, foi um mês de internação, sendo 10 dias na UTI. No hospital, Bárbara aprendeu a segurá-lo, dar banho, amamentá-lo e cuidar de forma que ele ganhasse peso.
Após duas perdas, um prematuro

Depois de perder dois bebês aos oitos meses de gestação, Simone dos Santos, 29 anos, se viu diante de mais um sufoco: o parto prematuro. Devido a um problema de pressão alta, a criança foi gerada ainda nos 7 meses. Simone é de São Sebastião, município que fica localizado no Agreste de Alagoas, há cerca de 130 km de Maceió. Por não ser da capital, ela tem prioridade para dormir no hospital.
A bebê Ane Siuane está com 1 kg e 400 gramas. Para receber alta, falta-lhe apenas ganhar mais um pouco de peso e aprender a mamar. A mamãe Simone explica, que como a boca da criança ainda é muito pequena, ela tem dificuldade para sugar o leite da mama. É por isso, que o leite materno é retirado, colocado em um copo, e depois, depositado em uma sonda pelas enfermeiras, para só então ser ingerido pela pequena.
Apesar de haver enorme participação dos profissionais da saúde neste processo, como de um fonoaudiólogo, por exemplo, que ensina o bebê a sugar, Simone conta que na maternidade aprende todas as atividades para participar, o máximo possível, dos cuidados com a filha. Aprende a dar banho, a trocar de roupa, a amamentar, a segurar o bebê. O contato mãe-filha é promovido de forma que o recém-nascido se sinta seguro.
Até o fechamento da reportagem, o pai ainda não tinha realizado visita à filha porque trabalha durante todo o dia no interior de Alagoas. A pequena Siuane recebe visitas dos tios e avós.
"No começo eu não queria vim para cá, eu queria ir o mais rápido possível para minha casa, cuidar da minha criança em casa. Mas meu irmão e elas [enfermeiras] me convenceram de que ficar aqui era necessário para a saúde de Siuane", diz a mãe, que complementa: 'hoje dou banho nela enrolada em um pano, quase tudo estou fazendo, porque me ensinam aqui", finaliza.
PREMATURIDADE

O dia 17 de novembro é o Dia Mundial da Prematuridade. O Novembro Roxo é dedicado à sensibilização desta causa. De acordo com a Secretaria do Estado de Saúde de Alagoas (Sesau), 10% dos nascimentos em Alagoas são de bebês prematuros. É considerado prematuro, o recém-nascido que veio ao mundo com menos de 37 semanas. A proporção em Alagoas corresponde à média nacional. Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 340 mil crianças nascem prematuras todos os anos no Brasil, o que equivale a 12,4%.
A coordenadora da Rede Cegonha - programa do Ministério da Saúde vinculado ao governo do estado -, Syrlene Patriota, as regiões mais desenvolvidas têm maiores médias de bebês prematuros, devido à utilização de métodos de fertilizações in vitro, considerado um grande fator de risco à prematuridade. "Aumenta a chance da gravidez evoluir, mas também maior possibilidade de prematuridade", explica. Os riscos da prematuridade são muitos: insuficiência respiratória, infecção, hemorragia intracraniana, retinopatia, doença pulmonar crônica, alterações cognitivas.
Ainda no estado, de acordo com a Sesau, 15% das gestações têm fatores de riscos, apresentados em patologias, como hipertensão, malformação, ou infeccção. Tudo isso é causa potencial para um parto prematuro.
Em escala mundial, a Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que um bebê morre a cada 30 segundos por causa da prematuridade. Questionada sobre o número de recém-nascidos que morrem nessas condições em Alagoas, a coordenadora Syrlene Patriota informou que "não há como identificar no sistema se as causas de mortes estão relacionadas diretamente à prematuridade".
Devido os choques emocionais vivenciados pelas mães por não saber se seus bebês irão sair da situação de risco, elas passam por um tratamento psicológico, cujo objetivo é o de auxiliá-las nos esclarecimentos sobre a situação pela qual passam, além de trazer maior empoderamento para as puérperas durante os cuidados.
Segundo a psicóloga que atende as mamães na Maternidade Santa Mônica, Vanessa Gomes, é comum que um misto de sentimentos tome conta delas durante a internação. Dentre essas amoções estão: ansiedade, medo de perdas por óbito ou sequelas, tristezas, mas também, alegrias e esperanças diante de um quadro de melhora.
"O psicólogo trabalha para acolher, avaliar, compreender e intervir de forma terapêutica o movimento psíquico apresentado por ela, para intervir de forma terapêutica, para que esta mãe tenha a melhor condição emocional possível para o delicado momento que vivencia", expõe.
Além disso, de acordo com a psicóloga, é comum encontrar na mãe o sentimento de culpa pelo estado de saúde dos recém-nascidos ou incapacidade de cuidar de seus bebês.
"É preciso apoio e muito esclarecimentos as puérperas, para que elas se sintam seguras e capazes nos cuidados e acompanhamentos dos bebês prematuros, favorecendo assim o processo de vinculação entre mãe e bebê", explica a psicóloga.
Em Alagoas, a Maternidade Santa Mônica é referência no atendimento de recém-nascidos de Alto Risco. Há pelo menos três setores de atendimento na unidade hospitalar, localizada no bairro do Poço, que acolhe esses bebês dependendo do estado de saúde em que se encontra. Há a Unidade de Terapia Intensiva, que estão os casos de maior complexidade; a Unidade de Cuidados Intermediários (UCI) - casos de menor complexidade, mas que requer cuidados -; e o setor Canguru, quando os bebês já estão se preparando para receber alta.
Para ser direcionados para esses setores, são levados alguns fatores em consideração. Na UTI, por exemplo, são acolhidas crianças nascidas como menos de 34 semanas. Além de Maceió, estas unidades estão disponíveis em Coruripe, Arapiraca e Palmeira dos Índios. As que nasceram após as 34 semanas, podem ficar nas UCIs, que além dos municípios citados, existem em Penedo e Santana do Ipanema.