Após o carnaval do Recife em 2020, artistas que fizeram shows nos polos descentralizados relataram que ocorreram ações ostensivas da Polícia Militar contra as apresentações. Os cantores falaram sobre ameaças e tentativas de encerrar as performances musicais por parte dos policias. Em nota, a PM "negou proibição de exibição de músicas".
O primeiro caso relatado ocorreu no show da banda Devotos, no domingo (23), no polo da Várzea, na Zona Oeste do Recife. O vocalista do grupo, Cannibal, afirmou que a ameaça de encerrar o show partiu após o grupo cantar a música "Banditismo por uma questão de classe", de Chico Science.
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"A gente faz uma intervenção de uma música nossa com a música Banditismo, de Chico Science. Fazemos isso desde uma apresentação no Festival de Inverno de Garanhuns em 2002. Quando a gente terminou de tocar e foi para a música seguinte, a produção me avisou que a PM disse que se a gente cantasse mais uma música falando mal da polícia, eles iam acabar o show", disse.
"Em cada morro uma história diferente/Que a polícia mata gente inocente", diz um trecho da letra de "Banditismo por uma questão de classe". A música faz parte do álbum "Da Lama ao Caos", lançado, em 1994, pelo grupo Nação Zumbi.
Segundo Cannibal, a banda Devotos nunca havia passado por situações semelhantes. "Eu não tenho ideia do porquê disso. Essa é uma resposta que só a PM pode dar", disse.
"Eu estou meio perplexo, porque foi um carnaval tão bonito, de inclusão, em que todos os palcos tinham Libras. Chico [Science] é um ídolo de todo mundo, independente de classe social e trabalhista. Em todos os shows, a gente toca essa música, nunca teve nada", contou o artista.
Pelas redes sociais, a banda Janete Saiu para Beber também alegou ter sido alvo de uma intervenção policial das equipes que faziam a segurança do palco na Rua do Apolo. A situação ocorreu durante um show na segunda (24).
"Enquanto tocávamos ?Banditismo por uma questão de classe?, a Polícia Militar fez uma barreira entre o público e a banda. Tivemos que parar o show com ameaça de levar nosso vocalista preso!", diz a publicação do grupo nas redes sociais.
"A produção foi incrível e conseguiu reverter a situação, mas o mais absurdo foram os argumentos: Chico Science não pode tocar, não pode", diz o texto publicado pelo grupo.
Por meio de nota, enviada nesta quinta (27), a produção da banda afirma que "repudia o acontecimento de censura e repressão em seu show por parte da Polícia Militar, por conta de uma homenagem a Chico Science, um dos maiores artistas pernambucanos, reconhecido mundialmente por seu legado cultural que influencia até hoje os mais diversos artistas conscientes de seu papel contra as mazelas da sociedade".
Também por meio da nota, a Janete saiu para beber disse que "respeita o trabalho da polícia militar, mas é totalmente contra qualquer tipo de ação repressora que venha a inibir manifestações artísticas em suas variadas formas".
Veja a nota na íntegra
Na última segunda-feira, dia 24 de fevereiro, a banda Janete Saiu para Beber, participou de um festival de música alternativa na rua do Apolo, Recife Antigo. Juntamente com mais 4 bandas, fizeram um tributo em homenagem a artistas que admiram, onde a Janete optou por abraçar a cultura pernambucana do manguebeat através de músicas de Chico Science & Nação Zumbi e Sheik Tosado.
Durante o início da apresentação, um grupo de policiais militares que estava circulando pela rua do Apolo, parou e ficou observando o show. Algumas das canções entoadas como "Sangue de Bairro", "Monólogo ao pé do ouvido" e "Banditismo por uma questão de classe" irritaram alguns dos policiais presentes, que foram questionar a produção do evento sobre o teor dessas músicas.
Segundo um dos produtores do evento, Du Lopes - que dialogou com os PMs - eles exigiram o fim do evento, argumentando que, em suas próprias palavras: "Não pode tocar Chico Science. Chico é som de briga! Não pode tocar!". Neste momento foi apresentado ao oficial presente, toda a documentação exigida por lei para que o evento acontecesse.
Desconhecendo toda a situação que acontecia nos bastidores do evento, o vocalista Cesar Braga, entre uma das músicas, proferiu um xingamento contra o fascismo e seus apoiadores. Em nenhum momento essas palavras foram direcionadas a Polícia Militar, como se pode conferir nas imagens registradas e divulgadas pela banda em suas redes sociais.
Por conta disso, os policiais que estavam dialogando com os produtores, ameaçaram prender o vocalista por desacato a autoridade e injúria e pediram o encerramento imediato da apresentação. Enquanto os policiais que permaneceram na frente da casa, formaram uma barreira entre o palco e o público, intimidando todos os presentes.