Com uma taxa de desemprego de 17,1% - a terceira maior do País, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) -, usinas de açúcar em crise e boa parte dos municípios dependendo basicamente de recursos federais como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), Alagoas tem registrado um movimento de trabalhadores que buscam condições de trabalho em outros estados brasileiros.
O problema é que nem sempre essas condições são favoráveis. Dados do Ministério da Economia divulgados esta semana revelam que no ano passado, 117 alagoanos foram resgatados em outros estados trabalhando em regime análogo ao de escravo. Foi o terceiro maior volume de trabalhadores entre as 27 unidades da Federação, atrás apenas da Bahia, com 16,07% do total de trabalhadores resgatados, e de Minas Gerais, com 13,73%.
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Em todo o País, a Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) encontrou 1.723 pessoas trabalhando em condições análogas às de escravo, das quais 1.113 foram resgatadas.
Segundo o Ministério do Trabalho, entre os trabalhadores resgatados que já tinham um histórico de pelo menos uma admissão em emprego formal, 64% das últimas movimentações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) foram demissões por iniciativa do empregador.
"Isso reflete uma considerável entrada de mão de obra em um sistema de exploração abaixo de patamares mínimos de dignidade, originária do desemprego involuntário", ressalta o chefe da Detrae, Maurício Krepsky Fagundes.
Para ele, ainda há muitos casos de exploração de trabalho em condições análogas às de escravo no país em razão de uma herança escravagista recente da história do Brasil, associada à busca de diminuição dos custos de produção de atividades econômicas, também baseada em fraude, engano e aproveitamento de situações de vulnerabilidade social para o não cumprimento da legislação trabalhista, o que atinge principalmente a dignidade do trabalhador e seus direitos sociais.
Essa vulnerabilidade atingiu também trabalhadores que não precisaram sair de Alagoas para ser submetidos a regimes análogos ao de escravo. Segundo os dados do Ministério da Economia, 90 trabalhadores foram resgatados em municípios do Estado - 78 deles somente em Feira Grande, no Agreste alagoano. As casas de farinha foram os principais locais de trabalho dos alagoanos resgatados.
O município de 22,1 mil habitantes, segundo estimativa do IBGE, tem na agricultura e no serviço público sua principal fonte de renda. Para o prefeito de Feira Grande, Flavio Rangel Aposto Lira, a realidade do trabalhador do município não uma questão isolada. "Ela acontece em todo o Nordeste e é cultural. A mandiocultura vem desde os índios", ressalta. "Mas o problema já foi resolvido", diz, lembrando que a situação também foi agravada pela falta de emprego no município.
Segundo o IBGE, em 2016 - os dados mais recentes - apenas 874 pessoas trabalhavam formalmente no município, o equivalente a 3,9% da população. O volume de emprego formal deixa o município em antepenúltimo lugar do Estado, e em 5.366º em relação aos demais municípios brasileiros.
"A informalidade está inserida como um forte componente inicial de exploração de trabalho análogo à escravidão, sendo desde o início negados os direitos trabalhistas mais básicos, o que culmina em um conjunto de irregularidades que atingem a saúde e a segurança do trabalhador e fere também sua dignidade", ressalta Maurício Krepsky.
No ano passado, o Ministério Público do Trabalho (MPT) em Alagoas chegou a fechar algumas casas de farinha no município e instaurar um inquérito civil para responsabilizar as distribuidoras do ramo alimentício em Alagoas que comercializam a farinha de mandioca produzida sob situação de trabalho análogo à escravidão.
"Por trás da farinha de mandioca que chega à mesa do consumidor, trabalhadores estão sendo submetidos a condições subumanas, sem água, expostos a risco iminente de acidentes, enquanto empresas lucram com o trabalho análogo à escravidão", denunciou o procurador do MPT, Rodrigo Alencar.