O conto de fadas da Austrália na Copa do Mundo Feminina pode ter terminado na derrota por 3 a 1 para a Inglaterra, pela semifinal, mas a relação construída com a torcida nas quatro semanas de competição deixaram na equipe a certeza de que, embora a seleção não tenha mais chances de conquistar a Copa, talvez a Copa já tenha conquistado os australianos.
- Estou feliz que as pessoas acreditaram que podíamos ganhar essa Copa, nós sentimos essa confiança. Talvez a gente não esteja tão bem ranqueado, não tenhamos tantas jogadoras nos grandes clubes, não tenhamos tantos recursos, mas temos alguma coisa muito especial nesse time. E acho que essa campanha é o início de algo - afirmou o técnico da Austrália, o sueco Tony Gustavsson, após a semifinal.
Leia também
Ainda era de manhã na quarta-feira nublada de Sydney e os cachecóis verde-amarelos já pipocavam pelas ruas, cumprindo sua dupla função: proteger do frio de 9° e anunciar que ali estavam torcedores orgulhosos e confiantes na classificação inédita da seleção feminina para a final da Copa do Mundo.
Faltavam cerca de dez horas para a Austrália enfrentar a Inglaterra no Estádio Olímpico e esse era o clima ao redor da Fan Fest de Sydney, distante 20 km do local da partida. Ali ao lado, no mercado popular de Harbour Darling, o bairro escolhido para receber os torcedores na festa oficial da Fifa em Sydney, australianos e turistas se aglomeravam nas barracas que vendem camisas de apoio à seleção da Austrália. Não o modelo oficial de jogo, mas para o torcedor o que importa é exibir com orgulho as cores do país.
Lotação máxima nos jogos das Matildas
À noite, como aconteceu nos outros dois jogos das Matildas no Olímpico - 1 a 0 sobre a Irlanda, na estreia, e 2 a 0 na Dinamarca, nas oitavas de final -, 75.784 torcedores lotaram o maior estádio da Copa de 2023 para empurrar a seleção aos gritos de "Go, Matildas" (Vão, Matildas em inglês) ou "Tillie, Tillie, Tillie", que é o apelido do apelido da seleção feminina.
Dessa vez, o apoio não foi suficiente. A Austrália foi eliminada pela favorita Inglaterra, atual campeã europeia, que vai enfrentar a Espanha na decisão de domingo, no mesmo estádio. Ainda resta a disputa do terceiro lugar, sábado, em Brisbane, contra a Suécia. Qualquer resultado já será o melhor da Austrália em Copas do Mundo, feminina ou masculina.
Uma campanha inesquecível que colocou o futebol no topo da preferência nacional durante as quatro semanas de Copa. A vitória nos pênaltis sobre a França nas quartas de final foi o evento mais assistido na TV no país desde os Jogos Olímpicos de Sydney. Agora, passada a festa, fica a dúvida: o futebol feminino conquistou de vez o coração australiano ou o Mundial foi apenas um conto de fadas?
Uma das destaques da equipe, a goleira Mackenzie Arnold acredita que a semente plantada nos gramados australianos dará frutos.
- Esperamos que essa Copa inspire novas gerações, nós ainda não terminamos, mas as reações que estamos vendo, eu acho que é só o início e tem muito mais para vir - afirmou ela antes da partida contra a Inglaterra.
Austrália ainda tem calendário curto
De fato, já é possível contabilizar lucros futuros para o futebol local. Na semana da semifinal da Copa, o Sydney FC, atual campeão feminino australiano, bateu o recorde de venda de carnês para o Campeonato Australiano Feminino, dois meses antes do início da temporada.
O calendário do futebol feminino no país ainda é muito curto, incapaz de preencher sequer metade do ano. Considerando apenas o último ciclo entre Copas, o Campeonato Feminino Australiano foi disputado por nove times nas temporadas 2019/20 e 2020/21, com duração de quatro meses.
Dez equipes jogaram a competição em 2021/22, também por quatro meses, e a última temporada teve cinco meses de duração e 11 clubes na disputa. Para 2023/24, uma boa notícia: o Australiano Feminino aumentou em times (12) e tempo (sete meses, de outubro a maio).
Apenas duas jogadoras da seleção que disputa a Copa atuam no país: a atacante reserva Cortnee Vine, do Sydney FC, e a zagueira titular Clare Hunt, do Western Sydney Wanderers. Seis titulares da Austrália jogam em clubes da Inglaterra, além da principal jogadora da seleção, Sam Kerr, que só pôde ser titular na final, já que vinha recuperando a forma após retornar de lesão.
"Hora do próximo passo", diz técnica da Inglaterra
Para Gustavsson é justamente a Inglaterra o melhor exemplo a ser seguido para quem deseja desenvolver a modalidade. Na coletiva antes de enfrentar as inglesas, ele enfatizou a diferença de investimento entre as federações dos dois países.
- Alguém me disse que o orçamento total da federação inglesa na seleção feminina é o mesmo que o de todas as seleções na Austrália. Acho que isso contribui para o desenvolvimento das jogadoras - afirmou.
Mas Tony Andersson também confia que a Copa do Mundo ajudará a mudar esse panorama:
- Estamos no início da nossa jornada e espero que em dez ou 20 anos a gente possa dizer que esse foi um momento decisivo para o investimento no futebol feminino.
Até mesmo a treinadora da Inglaterra, a holandesa Sarina Wiegman, viu na Copa do Mundo a oportunidade para a Austrália desenvolver a modalidade no país.
- Antes do torneio diziam que as pessoas não iriam ver os jogos na TV, que não iriam aos jogos, e desde as quartas de final que os jornais e todo mundo só fala das Matildas. Mas agora é preciso ir para o próximo passo, não conheço o contexto local, mas é a hora da Austrália formar as jovens meninas, dar apoio, boas condições. Eu espero que isso seja um incentivo para que as pessoas apoiem o futebol feminino - afirmou Sarina após a semifinal.