Dentro de casa. O lugar que deveria ser significado de segurança e privacidade. O pai ou padrasto. Figura masculina que representa proteção e confiança. Para algumas crianças e adolescentes, a junção desses dois elementos é sinônimo de sofrimento, que desencadeia traumas para o resto da vida.
Na semana do Dia Nacional de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (18), uma pesquisa que mapeou os casos denunciados de abuso sexual contra crianças e adolescentes no estado, revelou que, em 85% das denúncias, as vítimas são pessoas do sexo feminino, e que 65% dos agressores são padrastos, pais, tios e avós.
Leia também
De acordo com a pesquisa, o bairro com o maior número de denúncias relacionadas a violência sexual em Maceió é o Benedito Bentes. Em seguida, aparecem Jacintinho e Vergel do Lago.
Segundo o pesquisador e psicólogo Liércio Pinheiro, os casos não têm nenhuma relação com a condição social das regiões. "O abuso sexual está em todas as esferas sociais. O que acontece é que as pessoas de classes sociais mais baixas denunciam mais que pessoas com maior poder aquisitivo, que, para manter o status, acabam abafando as situações e as tratando internamente".

O psicólogo explica que os números registrados em Alagoas se assemelham a média registrada no mundo. "Existe uma questão cultural extremamente forte por trás do estupro de mulheres, não só no Brasil. Cerca de 95% do agressores sexuais são do sexo masculino", expôs.
De acordo com ele, os caso mais frequentes e alarmantes acontecem silenciosamente. Não necessariamente as situações de abuso sexual ocorrem com violência: de forma lenta, o agressor tenta fazer um jogo com a criança, e usa da intimidade e proximidade com a vítima para transformar a aliciação sexual em casos rotineiros.
A denúncia de casos de abuso sexual tem consequências imediatas, segundo o psicólogo. "Existe o afastamento do agressor, que geralmente é uma pessoa com um vínculo próximo à criança. Tem também a situação socioeconômica que a mãe vivencia. Na maioria dos casos, o agressor é o provedor financeiro da casa, e devido a isso, a mãe fica numa situação extremamente delicada ao denunciar", explica.
Em caso da comprovação do abuso, o pesquisador salienta a importância do acompanhamento à criança. "Assistência social e psicológica, acompanhamento da Defensoria Pública e em clínicas universitárias ou escritórios jurídicos devem estar presentes", acrescenta.
A pesquisa foi realizada em cima dos dados de denúncias registradas no estado. De acordo com o psicólogo, o número de casos subnotificados ainda é grande, mas não tem como ser controlado. Por isso, ele ressalta a importância das denúncias. "A porta de entrada é o Disque 100 e os conselhos tutelares, que realizam o encaminhamento das vítimas".
Durante o ano de 2016, a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos recebeu 294 denúncias.
CONSEQUÊNCIAS PSICOLÓGICAS E SOCIAIS

Choros desmotivados, baixo rendimento escolar,medo de algum familiar do sexo masculino, pesadelos, comportamento imaturo, mudança de comportamento social e excesso de interesse por assuntos sexuais são alguns dos possíveis sintomas comportamentais que as vítimas podem apresentar.
Segundo o psicólogo Robson Menezes, toda exploração sexual é extremamente traumática. Cada pessoa pode desenvolver consequências diferentes, o comportamento da vítima é variável, assim como o do agressor. "A criança pode virar um agressor sexual, pode ter raiva do sexo oposto, pode desencadear comportamentos violentos e até depressão", explicou.
Na fase adulta, a vítima abusada durante a infância leva as marcas do que ocorreu. Ela pode não aceitar o próprio corpo, ter problemas de relação social e sexual com outras pessoas, baixa autoestima, problemas psicossomáticos como fobias e transtorno de ansiedade, e auto-mutilação, que pode levar ao suicídio.
COMBATE EM MACEIÓ

Maceió é única cidade do país que apresenta cobertura total de conselhos tutelares. É o que explica a secretária municipal de Assistência Social, Celiany Rocha. De acordo com ela, Maceió tem investido fortemente no combate contra a violência sexual, porém, nem todas as equipes da Rede de Proteção estão completas, o que resulta em maiores demandas para o município.
"Essa rede é custeada somente pelo município com o cofinanciamento federal. No entanto, a gente percebe que nem todos os órgãos possuem as equipes completas, o que fica uma demanda muito maior para o município. Toda a rede precisa estar completa para ter como foco a criança e o adolescente e não mais os problemas burocráticos que a gente enfrenta", disse.
A rede de proteção de Maceió é composta pelo Conselho Tutelar, Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), Justiça da Infância, Ministério Público do Estado e serviços vinculados.
A secretária lembra também do papel fundamental da realização de denúncias. "Quando o Disque 100 funciona, as pessoas precisam fazer uso deles. Ainda temos pouca denúncia para a quantidade de demanda sabemos que existe. O poder público não tem como invadir a casa das pessoas e olhar, perceber, o que vem acontecendo. Mas precisa que os pais, mães, tios ou vizinhos denunciem, para que possamos atuar com devida responsabilidade", esclarece.