O Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei nº 3.715/19, que altera e amplia a posse de arma de fogo em área rural. A proposta, que está à espera de sanção do presidente Jair Bolsonaro (PSL), permite que o dono da arma possa circular com o instrumento por toda a extensão da propriedade. Atualmente só é permitido andar armado na sede da propriedade. A medida atende a promessa de campanha do chefe da Nação, que apresentava como argumento a proteção contra a invasão de propriedade, inclusive, por movimentos sociais, que, assim como pequenos produtores rurais, posicionam-se contrários ao projeto.
Embora a questão da proteção contra as invasões ou mesmo ações de bandidos nas propriedades tenha sido reforçada, para a aprovação do projeto, em Alagoas, segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP), não há registro de crimes envolvendo a invasão ou disputa por terras.
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Este ano, porém, no dia 6 de março, a polícia registrou uma tentativa de assalto contra a propriedade do agropecuarista José Genivaldo Alves Cardoso, no município de Palmeira dos Índios. Dois homens entraram na fazenda e foram recebidos à bala pelo dono, que estava na companhia do filho, Vagner Canuto Cardoso.
Na ocasião, conforme registros, um dos acusados, identificado como Jefferson César de Oliveira Luca, 37 anos, acabou morto. O comparsa conseguiu fugir. Na troca de tiros, o fazendeiro e o filho teriam sido atingidos, mas sem gravidade e, após atendimento médico no Hospital de Emergência do Agreste, foram liberados no ano dia seguinte.
Com relação à invasão de propriedade, mas sem ocorrência de morte ou mesmo uso de arma de fogo, um grupo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupou a fazenda São Sebastião, no município de Atalaia, em novembro de 2016. À época o proprietário acusou participantes da ação de roubo de estacas e anunciou prejuízo de R$ 100 mil. Até agora a área permanece ocupada, após várias reintegrações de posse emitidas pela Justiça, seguidas por novas ocupações. O movimento quer que as terras sejam destinadas à Reforma Agrária.
Três anos antes, em 2013, durante manifestação de movimentos sociais ligados à luta pela terra, que se dirigiam de municípios do interior para a capital do Estado, Maceió, um grupo ligado ao Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST), alojou-se para descanso no campus da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Antes de partir, destruíram, segundo denunciaram professores da instituição, mudas de variedades de cana, que eram utilizadas para pesquisa e, como resultado, fornecidas para empresas pelo Brasil.
"Foi um ato simbólico. Só foram quebradas umas caqueiras. Nós somos contra a monocultura da cana-de-açúcar. Não faz sentido o governo Federal investir e gastar dinheiro em pesquisa para desenvolver a cana. O que precisamos é de pesquisa para desenvolver e fortalecer a agricultura familiar", justificou ainda à época Josival Oliveira, coordenador do MLST.
A liberação da posse de arma com viés do campo é para atender aos interesses do governo. A Lei já garante o direito à propriedade e armar não vai resolver o problema da violência, ao contrário, vai intensificar a violência contra quem luta por terra, assim como fizeram com os povos indígenas. O governo não tem capacidade de resolver a questão fundiária. A Constituição diz que terra improdutiva deve ser destinada à Reforma Agrária. O governo vai estar legalizando um processo que já existe [donos de terras armados no campo]", pontuou Débora Nunes, coordenadora estadual do MST.
Ao defender a matéria na Câmara, o relator da matéria, deputado Afonso Hamm (PP-RS), assegurou que a proposta tem o apoio do setor rural e que vai beneficiar os pequenos proprietários. "A arma, que nas mãos dos bandidos é uma ameaça à sociedade, nas mãos do cidadão de bem é garantia da paz social, porque ele vai usá-la em defesa da sua vida e de seus familiares", declarou.
Por outro aspecto, durante a votação do projeto, o parlamentar Jorge Solla (PT-BA) considerou que a posse estendida vai fomentar ainda mais a violência no campo contra movimentos sociais, índios ou trabalhadores. "Só quem tem a ganhar são as milícias, são os fabricantes de arma, são os que promovem a violência no campo", disse. O projeto de lei em questão foi aprovado pelo Senado, ainda no mês de junho, e confirmado pela Câmara, no último dia 21.
Três lideranças de movimentos sociais foram assassinadas em Alagoas

Ao se posicionar contrário ao armamento da população, seja na cidade ou no campo, por acreditar que a violência deve ser combatida com ações de educação, saúde, distribuição de renda e equilíbrio social, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) destaca também que, em Alagoas, três lideranças do movimento em defesa da terra foram assassinadas, nos últimos 25 anos, na região de Atalaia, na Zona da Mata alagoana. Neste período não há registros de mortes envolvendo disputa com proprietários de terra.
Ainda de acordo com Débora Nunes, em Alagoas,existem, atualmente, entre 8 a 10 mil famílias acampadas em todas as regiões do Estado, à espera para que o "estado brasileiro" resolva a situação e destine as terras aos trabalhadores.
"Produzimos alimentos sem agrotóxico, porque tem gente boa no campo plantando e contribuindo para a redução dos problemas estruturais de quem vive na cidade, ao permanecerem em suas localidades com terras para produzirem", ressaltou a líder do MST. Nunes apontou as feiras da Reforma Agrária, com mais uma edição em preparação para este mês de setembro, como um canal de comunicação do MTS com a sociedade, ocasião em que podem mostrar o que produzem, como cuidam da terra e a importância disso para todos e ao meio ambiente.
"Vamos continuar na luta para que a Reforma Agrária Continue", acrescentou. Em todo o país, conforme Débora Nunes, existem atualmente cerca de 4 milhões de Sem Terra.
Para quem é dono de propriedade rural, em se tratando da agricultura familiar, a ampliação do porte e posse de arma no campo não é o caminho para a redução da violência e nem mesmo garantia à proteção contra eventuais crimes.
"Eu já estou com 59 anos de idade e nunca usei uma arma. Não sou contra que alguém tenha posse de arma e tenha uma arma na sua casa, mas acho que a liberação não vai resolver nada. O que vai acontecer é que a pessoa que quer fazer mal, vai ter arma. Como é que um cidadão vai se defender de um bandido. Isso é uma especulação do governo. Não vejo nada favorável", reforçou Antônio Carlos, um dos principais produtores de laranja Lima na região Norte do Estado.
"É uma opinião pessoal. Mas eu sou muito favorável de que não se constrói paz distribuindo armas ou legitimando o posse. Nem todos agricultores estão preparados para usar uma arma. Vão ter a autorização para posse e porte, mas nem sempre estarão preparados para o uso se eventualmente tivesse necessidade. Portanto, estaria em desvantagem em um momento de assalto, por exemplo. Teríamos outras coisas mais importantes, que valorizam o setor agrícola. Eventualmente para algum seguimento isso [o projeto] pode ser importante. Para a agricultura familiar não faz o menor sentido", opinou Vaderley Ziger, presidente da União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes).