Cleciane Pereira da Silva, de apenas 10 anos; Allan Teófilo Bandeira, 28 anos; Alysson Rodrigo Santos da Silva, 29 anos. O que estas pessoas têm em comum? Todas desapareceram e os casos ainda não foram completamente elucidados pela polícia. Eles representam outras tantas parcelas de desaparecimentos que, ou não são registrados, ou não foram tornados públicos.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, somente este ano, 402 ocorrências de desaparecimentos foram registradas em Alagoas. O número ainda é maior que o de 2016 (363) e em 2015 (305). No entanto, aGazetawebpediu o número de casos que foram elucidados, mas a SSP não repassou este dado.
Leia também
A complexidade das investigações que envolvem casos de desaparecimentos, o excesso de trabalhos demandados aos delegados e a pouca estrutura física das delegacias acarretam em morosidade na elucidação. Quanto mais o tempo passa, mais difícil é para a situação ser esclarecida e mais o sofrimento dos familiares aumenta. Para a família, a rotina já não é a mesma. A saúde também não. Nem a paz.

Ao entrar na casa do jovem Allan Teófilo, o clima é de consternação. Na estante da sala, fotos dele com a esposa e os filhos estão dispostas próximos a velas acesas durante orações para que a fé possa trazê-lo de volta. Dona Deize Teófilo Ratis recebe a equipe da Gazetawebabatida, com duas bíblias nas mãos e um terço. Ao seu lado, Albério Teófilo. Ambos, mãe e pai de Allan. Ambos com lágrimas nos olhos.
Allan Teófilo saiu de casa no dia 23 de novembro dizendo que iria para uma partida de futebol, em Satuba. Câmeras de videomonitoramento dos estabelecimentos comerciais da cidade mostram que o jovem chegou a ir e a sair da cidade naquela noite. Sua última visualização no WhatsApp foi exatamente às 21h07.
O percurso registrado por meio de rastreamento do Gmail de seu celular mostra que Allan saiu da cidade, pegou uma estrada à esquerda, e logo após, em vez de pegar outra estrada à direita, ele passou direto em alta velocidade, "como se tivesse fugindo", conta o pai. Após isso, ele andou em alta velocidade por mais um minuto, parando em seguida, por três minutos. Depois desse tempo, seguiu em direção a uma linha de trem, e a partir deste momento, o celular parou de funcionar.
"Acredito que alguém alcançou ele nesse trajeto e, ao parar na linha do trem, o alcançaram. Creio que entraram no carro e tiraram a bateria do celular", conta Albério.
Por volta de uma hora da madrugada, Albério desperta do sono com seu telefone tocando. Era a esposa de Allan para avisar que até aquele momento ele não havia chegado. Preocupados, os pais foram imediatamente fazer buscas na região da Forene, onde mora o jovem, até Satuba, onde acionaram uma viatura.
As buscas se estenderam até o amanhecer do dia. Allan estava em um veículo Picanto, de placa NMJ 6631. O jovem tem 1,90 metro de altura e possui duas tatuagens no corpo: uma tribal com o nome do avô na perna e a outra com seu nome nas costas: Allan T. Bandeira.
A família registrou um Boletim de Ocorrência e diligências, como buscas em canaviais, foram iniciadas. O carro, os documentos, o telefone e o corpo de Allan não foram encontrados. A partir do dia 24 de novembro, os familiares iniciaram uma saga via redes sociais, divulgando a foto e o desaparecimento. Devido à proporção que o caso ganhou e à falta de materialidade para a elucidação imediata do caso, a Delegacia-Geral da Polícia Civil designou uma comissão de três delegados para a investigação: Thiago Prado, Fábio Costa e Rodrigo Sarmento.
AGazetawebentrou em contato com o delegado Thiago Prado para saber como estão as investigações do caso Allan, mas ele informou que apenas o presidente da comissão, Rodrigo Sarmento, poderia passar informações. AGazetawebtentou contato com o delegado Rodrigo Sarmento, mas não obteve retorno.
Polícia não tem pistas
A mãe Deize afirma ter esperança de que seu filho esteja vivo. O pai Albério acredita que Allan pode estar preso em algum cativeiro ou ter sido espancado e abandonado inconsciente. Ambos acreditam estar em um pesadelo do qual irão acordar a qualquer momento, com o filho do lado. A polícia, por sua vez, não encontrou uma linha de investigação. O desaparecimento de Allan continua sendo um mistério.

Enquanto isso, dona Deize é submetida a um acompanhamento psicológico e toma remédios três vezes ao dia, dentre eles, antidepressivos e calmantes. O casal, autônomo, não trabalha desde o sumiço do filho. A renda familiar caiu drasticamente e eles vivem sob a assistência de amigos.
Os cuidados também redobraram sobre o irmão de Allan, que é monitorado 24 horas pelos pais por GPS, via aplicativo. Com isso, os pais sabem onde o filho mais novo está em tempo real. O irmão também não anda mais de transporte público. O pai é quem o leva aos lugares onde precisa ir.
"Nem ajudo muito meu marido porque só sofro e só choro", diz a mãe, que reclama dos trotes diários que recebe com informações falsas sobre o paradeiro de Allan.
"Às vezes penso que é um pesadelo, que quando acordar vou encontrar meu filho na porta. Às vezes eu vou para o portão e fico olhando, imaginando ele vindo, à pé, porque roubaram o carro dele. É um desespero. Meu telefone toca e eu penso que é alguém dizendo que encontraram meu filho e que estão trazendo ele de volta. Mas nunca é assim, as ligações sempre são para dizer coisas terríveis sobre ele", conta dona Deise.
O fato de Allan não ter antecedentes criminais ou inimizades de conhecimento da família e amigos dificultam as buscas. "Menino criado nas rédeas", como conta o pai, Allan é de ficar em casa, jogar videogame, além de ser o "que faz a alegria na roda de amigos". Para ilustrar o jeito amável do filho, dona Deize conta o dia em que o filho organizou o arraial de toda a rua em que mora, juntando os vizinhos durante o São João.
"Praticamente somos nós dois que estamos tentando descobrir onde Allan está", afirma dona Deize. O casal, sozinho, já percorreu diversas cidades do interior. Eles contam, que em um dia, realizaram buscas em quatro cidades. "Meu marido está se prontificando a ir nos lugares, sozinho, sem apoio policial. Ele não é policial e está se submetendo a isso. Mas tem que ir para ver se encontra resposta", acrescenta.
Angustiado, o pai cobra respostas concretas das autoridades. "O cidadão alagoano tem o direito de ir e vir na hora que quiser, mas sai de casa e não sabe se volta. Como a gente vive em um estado assim? O estado tem que oferecer coisas básicas e, principalmente, segurança, para que a gente saia de casa e saiba que vai conseguir voltar com segurança. Depois dele, tiveram outros, o que está acontecendo com nosso estado?", diz Albério Teófilo,lembrando do desaparecimento do jogador de basquete, Alysson Rodrigo Santos Silva, no dia 16 de dezembro deste ano.
"Toda vez que a gente liga eles [delegados] atendem, dizem que estão fazendo diligências. Mas sempre dizem que não têm um norte. O que a gente quer é resultado, porque é muito tempo para uma pessoa ficar desaparecida. Eles não falam que tipo de diligências, porque está em segredo. No entanto, não aparece nada que faça a gente acreditar que o caso está sendo solucionado", finaliza.
AGazetawebtentou contato com os delegados que investigam o desaparecimento de Allan, mas não obteve retorno.
Cleciane, 10 anos e um desaparecimento que já dura seis meses

Cledja Pereira da Silva, de 30 anos, se viu no início de um pesadelo no dia 4 de junho de 2017,
A menina pedia insistentemente para visitar os avós em um sítio, localizado na zona rural da cidade, na manhã daquele dia. Sem dinheiro para pagar as passagens, a mãe proibiu que Cleciane fosse e ordenou que a filha entrasse em casa e fechasse o portão.
A mãe conta que entrou para dar banho em um de seus filhos e depois trocar as fraldas de outro. Levou um tempo para que notasse o silêncio da casa e a ausência de Cleciane. Como a filha costumava brincar na vizinhança, ela diz que buscou nas casas dos vizinhos saber do paradeiro da menina. Mas ninguém sabia informar onde ela estava. Foi quando Cledja se lembrou que a filha havia ficado emburrada por não tê-la deixado ir ao sítio dos avós.
Fazendo o percurso até o sítio junto com o esposo, padrasto de Cleciane, Cledja conta que não encontrou nenhum vestígio da menina e que ela nunca esteve no local naquele dia.
"Estou desesperada. Há seis meses que vivo nessa angústia", diz. Segundo Cledja, um registro de Boletim de Ocorrência foi feito e, depois de 24 horas, a polícia começou a fazer buscas em Igaci e nas cidades vizinhas. A polícia também conversou com vizinhos para saber se tinham visto a menina. Cartazes foram colocados na região do Agreste e uma grande mobilização foi feita nas redes sociais. Seis meses depois, não há vestígio algum de Cleciane.

"Eu vivo como uma louca porque não tenho nenhuma notícia dela. Mas eu tenho esperança de que ela esteja viva, porque ninguém a achou morta. O que peço a Deus é que ela esteja viva", apela a mãe.
Cleciane faz 11 anos no dia 3 de janeiro. A mãe afirma que o último contato com a polícia para saber sobre o caso da família foi feito há dois meses. Até o momento, a situação está nas mãos do delegado Gustavo Xavier, de Arapiraca. Em contato com aGazetaweb, ele afirma que não há indícios, nem linha de investigação sobre o desaparecimento de Cleciane, porque não houve norte por meio de depoimentos.
Agora, segundo ele, a Polícia Civil aguarda informações das operadoras de telefonia móvel para colher dados de alguém, que possivelmente tenha feito ligações naquele dia. No entanto, ele não falou se os dados aguardados são de uma pessoa especificamente.
"A gente aguarda os dados das operadoras de telefones, porque também trabalhamos com monitoramento, para saber se alguém esteve com ela naquele momento. Por depoimentos, não conseguimos nada de relevante", afirma o delegado. Ele não deu prazo de quando esses dados serão disponibilizados. Informou apenas que, se não conseguir encontrar vestígios desta forma, o inquérito não se encerra.
"A gente não sabe se ela está morta. Se não conseguirmos, a gente tenta de outra forma", complementa.
A falta de informação aumenta o desespero de Cledja, que assim como Deize, também vive sob efeito de remédios. "Depois que ela desapareceu, vivo à base do remédio. Fico como louca. Têm dias que não consigo dormir, pensando nela. Minha cabeça dói 24 horas por dia. Tudo ficou mais difícil, por não tê-la ao meu lado. Hoje, só vivo por causa dos meus dois filhos, se não, já tinha morrido ou tinha sido internada como louca", diz Cledja aos prantos, que afirma não ter condições de realizar buscas por conta própria. "Quero ela de volta, viva ou morta", finaliza.
Comissão de Direitos Humanos da OAB ajuda famílias de desaparecidos
Somente este ano, a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em Alagoas (OAB-AL) acompanha cinco casos de desaparecimentos no estado, dentre eles, casos de grande repercussão, como o do Allan. Segundo o presidente da comissão, Ricardo Moraes, até o momento da entrevista, nenhum deles foi elucidado.
De acordo com ele, muitos dos casos que chegam à OAB resultam em crimes, mas quando se fala em sumiço de alguém, inicialmente não se pode falar em ato criminoso.

"Até que se ache o corpo ou alguma materialidade, não podemos dizer que houve homicídio, por exemplo. Enquanto isso, fica a aflição da família, que quando tem uma possibilidade ou capacidade econômica maior ou até mesmo influência política, consegue uma pressão maior, e o estado, em alguns casos, consegue a elucidação", diz o presidente.
Quando a OAB recebe uma denúncia, o acompanhamento depende do respaldo de informações dado pela família, para que haja uma sustentação e assim possa cobrar das autoridades celeridade na investigação. A vida do desaparecido passa, então, a ser averiguada: seus relacionamentos, sua conduta, seus antecedentes. Ricardo Moraes explica que quando o desaparecido não possui ficha criminal, elucidar esses casos se torna mais difícil.
"Se ela já teve algum envolvimento com algum tipo de crime, abre-se várias linhas, mas quando não há, tudo fica mais complicado".
O presidente relembra o desaparecimento do adolescente Davi Silva, que sumiu em 2014 quando tinha apenas 17 anos, após uma abordagem policial. "Tivemos um caso emblemático, que foi o caso de Davi Silva, acompanhamos diretamente o caso, mas até hoje não se sabe o que aconteceu realmente com ele", diz Moraes. Isto porque, explica ele, até hoje o corpo não foi encontrado, e a única testemunha - outro jovem que estava com ele durante a abordagem policial - foi assassinado depois de pedir para sair do Programa de Proteção às Testemunhas.
"Às vezes não tem linha de investigação, às vezes têm muitas", afirma Ricardo Moraes.
As denúncias de 2017 que são acompanhadas pela OAB não representam o número de desaparecidos em sua totalidade no estado. O presidente da comissão dos Direitos Humanos da OAB explica que os números podem ainda ser maiores, porque muitos dos desaparecidos têm envolvimentos com drogas. Este fator acaba por inibir as famílias a realizarem as denúncias. Além disso, a população, em sua maioria, desconhece os serviços prestados pela comissão à comunidade.
"Há casos de pessoas que chegam na delegacia, dizem que o filho desapareceu. A delegacia dá toda atenção, mas quando vê a ficha e vê que há registro criminal, a família já relata que o atendimento muda. Porque já condena, já diz que desapareceu porque é usuário de drogas", explica Ricardo.
"O que se denota é que quando a família é de baixa-renda, vulnerável à criminalidade, muitas vezes ela se omite em prestar declarações à comissão ou denunciar porque já conhece a vida pregressa do desaparecido. E aí tem medo de o desaparecido, de a vítima, ser condenado ao julgamento", complementa o secretário da Comissão, Rafael Ferreira.
A Comissão dos Direitos Humanos da OAB divulga contatos para que a população acione o órgão, caso necessite de ajuda em situações de desaparecimentos:991047116/30282558- ou pelo e-mail: [email protected]
"A falta de linha de investigação gera o 'abandono' dos casos''
Sem antecedentes criminais, nem a família, nem os amigos e nem a polícia encontram linhas ou motivações para os desaparecimentos. A vice-presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OAB, Sandra Gomes, concorda que a falta de causa aparente dificulta a investigação e somado à falta de pessoal nas delegacias, o resultado é de morosidade.
"O delegado que recebe a denúncia tem muitos outros casos para investigar, desde o furto, até um homicídio. É claro que ele vai filtrar a linha de atuação do mais grave para o menos grave, e o desaparecimento, a princípio, não é tido como crime", diz Sandra Gomes, que acrescenta: "mas também, a falta de linha de investigação gera o 'abandono' dos casos".
Sindepol fala em falta de estrutura e pessoal nas delegacias
Questionado pelaGazetaweba que se devem as faltas de elucidações dos desaparecimentos no estado de Alagoas, o presidente do Sindicato dos Delegados da Polícia Civil (Sindepol), José Carlos, elenca dois motivos para essa situação: a ausência de linha de investigação, característica dos desaparecimentos, e a falta de estrutura física e pessoal nas delegacias.
"Quando uma pessoa desaparece, geralmente não se apresentam causas. Pode ser homicídio, mas pode ser um acidente, pode ser até proposital. O sumiço em si é difícil de elucidar. Quando se tem um celular, por exemplo, verifica-se o aparelho, quando existem ligações, facilita, mas quando não tem materialidade, complica", explica o presidente do sindicato.
Por outro lado, o presidente enfatizou que uma das maiores dificuldades na investigação é a falta de estrutura e de delegados e agentes nas delegacias. "A Polícia Civil está extremamente sobrecarregada. Não tem estrutura para esses casos", declara José Carlos. Ele afirma que há falta de equipamentos e tecnologia que poderiam ajudar nos esclarecimentos.
Segundo o Sindepol, a Polícia Civil trabalha no estado com apenas 38% de todo o pessoal necessário para atender às demandas do estado, que seriam de 4.100 servidores, dentre delegados e agentes. "A gente tem cobrado do governo a convocação da reserva técnica. Estamos trabalhando com um efetivo estipulado há mais de 25 anos, mas o número de demandas aumentou com o tempo", diz o presidente.
"Com essa estrutura, a polícia acaba sendo taxada de ineficiente, o que não é verdade", declara. Ele defende a criação de uma delegacia especializada para cobrir casos de desaparecimentos, no entanto, ele atenta, que se construída, não há pessoal para se trabalhar nela.
"O que acontece é que os delegados que pegam investigações de desaparecimentos já estão em outras investigações de roubo, de homicídio de suas respectivas delegacias, por isso, eles ficam em uma situação difícil", afirma o presidente do sindicato.
Desaparecimentos no Brasil
Entre 2007 e 2016, foram registrados 693.076 boletins de ocorrência por desaparecimentos em todo o Brasil. São 190 desaparecidos por dia na última década, o que equivale a oito por hora. Em 2016, foram registrados 71.796 casos. As estatísticas são inéditas e foram levantadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública a pedido do Comitê Internacional da Cruz Vermelha.