A defesa do presidente da República, Michel Temer, entregue nesta quarta-feira (4) à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, diz que a denúncia por obstrução de justiça e organização criminosa apresentada pela Procuradoria Geral da República é baseada em ilegalidades, feriu preceitos morais e éticos e "rasgou" normas de conduta social
O documento entregue pela defesa à CCJ tem 344 páginas e está dividido em tópicos. A peça é assinada pelo advogado Eduardo Carnelós, que foi pessoalmente à Câmara para entregar a peça.
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Veja ponto a ponto o que diz a defesa de Temer:
1) 'Arqueiro'
Na abertura do documento que traz as alegações do presidente Michel Temer, a defesa faz menção ao "arqueiro que flechou o Estado de Direito", em referência à frase proferida pelo ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de que "enquanto houver bambu, lá vai flecha".
O advogado Eduardo Carnelós afirma que a Procuradoria Geral da República acusa Temer e mais seis homens "que dedicaram suas vidas à atividade política".
Na denúncia, são acusados os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral), ambos do PMDB, o ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o ex-deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) e o ex-assessor de Temer Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR).
A defesa do presidente ressalta ainda que a denúncia também envolve "dois confessos malfeitores" - Joesley Batista e Ricardo Saud, executivos da J&F;, controladora da JBS.
"Membros do Ministério Público Federal, liderados pelo então Procurador-Geral da República, tramaram com os dois últimos denunciados e outros também confessos criminosos integrantes de seu bando para construir uma acusação a ser formulada contra a autoridade máxima do País", diz o documento.
O advogado argumenta que, em busca do "alvo" Michel Temer, o Ministério Público praticou ilegalidades, feriu preceitos morais e éticos e "rasgou" normas de conduta social. O objetivo, para a defesa, era criminalizar a atividade política.
Ao mencionar as delações usadas para basear a denúncia, a defesa afirma que "os relatos apresentados são pífios, incapazes de levar à caracterização de crimes, e servem, somente, aos propósitos escusos daquele que deixou há pouco a chefia do Ministério Público Federal".
Segundo o advogado, na busca de material para "suas flechas", deu início a uma "indecorosa concorrência" entre Eduardo Cunha e o operador financeiro Lúcio Funaro para escolher quem mereceria um prêmio por uma delação.
"Não se exigia que houvesse verossimilhança, nem mesmo que se apresentassem provas ou ao menos indícios seguros do que se dissesse; bastaria que o enredo comprometesse o defendente (Temer)", afirma.
O documento argumenta que é ainda mais grave a conversa entre executivos da JBS revelada em gravação de áudio, na qual "extrai-se que os delatores estiveram desde sempre sob orientação de membros do Ministério Público".
Na argumentação, o advogado diz que, "para forjar a denúncia" os acusadores fizeram uma narrativa "confusa, engenhosa, mas completamente dissociada dos fatos", amparada somente nas declarações de delatores.
"O que se vê é a imputação de prática de crime pelo simples exercício da atividade política, como se esta pudesse existir sem acordos partidários, nomeações para cargos públicos, tratativas visando à aprovação de projetos de leis, etc", afirma.
A defesa ainda argumenta que foi imputado ao presidente da República fatos anteriores ao exercício do cargo, o que é vedado pela Constituição.
O advogado pede que os deputados rejeitem a denúncia, que seria uma tentativa de Rodrigo Janot de lançar uma flecha contra as instituições.
2) Parcialidade de Janot
Ao sustentar que Rodrigo Janot não foi imparcial na apresentação da denúncia contra Temer, a defesa lembra que o STF já afastou a alegação de parcialidade do ex-procurador-geral, mas pondera que apresentará novo enfoque.
"Infelizmente, o dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros abusou de sua independência funcional, extrapolou suas funções institucionais, revelando a mais absoluta e inadmissível parcialidade contra o defendente", argumenta, antes de citar exemplos de declarações e entrevistas de Janot que, para a defesa, comprometem o ex-procurador-geral.
"Janot nega que seja candidato à sucessão do defendente (Temer), mas assumiu sim a posição de oráculo da moralidade, hoje desacreditado por envolvimentos em obscuridades inadmissíveis", afirma.
3) Inviabilidade da acusação
A defesa sustenta que denúncias genéricas, que não descrevem coerentemente fatos concretos, violam o processo legal e o direito de defesa, e merecem rejeição.
"Sem provas não dá para prosseguir, o que faz da denúncia ora refutada peça inviável, despida de provas robustas e verdadeiras", diz, argumentando também que palavras isoladas de delatores não servem para a instauração do processo.
"A presente denúncia, no concernente ao Presidente Michel Temer, vem calcada em dois pilares básicos: as palavras dos delatores da JBS e o depoimento do delator Lúcio Bolonha Funaro. Todas pretendem fazer crer a participação do Presidente Michel Temer em ilícitos. São imprestáveis para justificar o recebimento da denúncia formulada", acrescenta.
Nesse tópico, a defesa de Temer trata da delação premiada do doleiro Lúcio Funaro, apontado por investigadores como operador de políticos do PMDB.
Em um dos trechos, as advogados chamam o acordo de "aparente alcaguetagem", que se constitui "em mentirosa ação "tirapresidente-Temer?".
O tópico ganhou o título a "A enésima delação de Funaro: deduragem como emplastro multiuso". O texto questiona a credibilidade do doleiro, chamado de "criminoso de bitola larga e delator premiadíssimo".
O defesa de Temer relembra que Funaro já fechou um acordo de delação, quebrado posteriormente, e registra que a "palavra do delator Lúcio Funaro não serve para nada, não merece crédito".
Segundo os advogados do presidente, o ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, optou por aceitar a nova delação de Funaro, "depois de vê-lo vencer uma indecente concorrência com Eduardo Cunha, destinada a premiar aquele que ?entregasse? primeiro e mais amplamente o Presidente Michel Temer".
A defesa ainda registra que Funaro, quando trata do presidente, "limita-se a afirmar que ouviu dizer que Michel Temer chefiava 'esquema? que envolveria dinheiro de propina". Conforme a peça entregue na CCJ, o doleiro não apontou conversas com o próprio presidente, nas quais ele pediu dinheiro ou favor.
4) Delação da JBS
A defesa chama a delação dos executivos do grupo J&F;, que controla o frigorífico JBS, de "enriquecedoras e mitomaníacas". Os delatores ainda são classificados como "alcaguetas pinóquios da JBS".
O texto relembra que a própria PGR optou por romper o acordo de Joesley Batista e Ricardo Saud, o que ocorreu após a entrega de áudios complementares à colaboração dos executivos. O episódio marcou a reviravolta no acordo e resultou na prisão dos dois.
"Nada, absolutamente nada que tenha saído da delação da JBS, por Ricardo Saud ou Joesley Batista, pode ser digno de fé, razão pela qual suas declarações não podem amparar o recebimento válido da denúncia", diz a peça.
A defesa afirma que, mesmo nestas condições, Janot levou em conta as informações dos delatores para denunciar o presidente.
"Antiga máxima cristã sugere o repúdio ao pecado com acolhida ao pecador; o ex-Procurador-Geral limita-se a agasalhar o pecado...", diz um trecho do texto.
Em outra parte, os advogados ironizam as "flechadas" de Janot. "Nessas condições, nada há a fazer senão considerar imprestáveis os relatos industriados no bojo da delação da JBS e, assim, não provadas as flechas lançadas na denúncia que agora se aprecia".
Neste tópico, os advogados insistem que os áudios das conversas dos delatores mostram uma "armação" contra Temer. O texto ainda registra que a J&F; pode ter lucrado R$ 1 bilhão no acordo com a PGR, "com uma jogatina especulativa que causou prejuízos à economia brasileira".
Os advogados também lamentam a decisão do STF sobre um pedido para interromper o prosseguimento da denúncia na Câmara enquanto ocorre a apuração sobre as circunstâncias que levaram a quebra do acordo da J&F.; Para os juristas, "há cerceamento de defesa no ponto".
Ao final do tópico, a defesa pede que a Câmara negue a autorização ao STF para analisar a denúncia "por faltar justa causa ao prosseguimento do feito".
Políticos do PMDB denunciados pela Procuradoria Geral da República por organização criminosa (Foto: Montagem/G1) Políticos do PMDB denunciados pela Procuradoria Geral da República por organização criminosa (Foto: Montagem/G1)
Políticos do PMDB denunciados pela Procuradoria Geral da República por organização criminosa (Foto: Montagem/G1)
5) Organização criminosa
Neste tópico do documento, a defesa aponta brechas jurídicas para contrapor a acusação feita pela PGR por organização criminosa.
A peça destaca que, conforme a denúncia, Temer e os demais integrantes do grupo do PMDB da Câmara desde meados de 2006 estão organizados de forma estável, cometendo crimes, em especial, contra a administração pública.
Como a lei de organizações criminosas data de 2013, os advogados alegam que apontar crimes cometidos antes da entrada em vigor desta legislação está "em aberta violação ao princípio da legalidade penal e à vedação à retroação da lei penal mais gravosa".
Os advogados também frisam que a acusação contra Temer "versa integralmente" de fatos anteriores à chegada do peemedebista à Presidência da República, em maio de 2016, ainda de forma interina, em meio ao processo de impeachment contra Dilma Rousseff.
A peça afirma que, pela lei, o presidente só responde a crime comum quando o fato tem relação com o exercício do mandato, o que não seria o caso de todas as suspeitas contra Temer. Esse ponto da legislação não seria respeitado.
"Na lógica da denúncia, é absolutamente impossível comprovar a existência de organização criminosa depois de maio de 2016, quando Michel Temer chegou à Presidência, sem atentar para os fatos anteriores que comprovariam a existência da associação desde 2006", escrevam os advogados.