O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) apresentou nesta quinta-feira (19) um recurso contra a liberdade provisória concedida a 40 dos 41 detidos em uma rinha de cães em Mairiporã, na Grande São Paulo. Após audiência de custódia no Fórum de Guarulhos na segunda-feira (16), apenas o suspeito de organizar o evento teve a prisão mantida pela Justiça.
A Promotoria de Justiça de Mairiporã pede que a Justiça revogue o benefício da liberdade provisória. A promotora Michelle Bregnoli de Salvo afirma que não concorda com o entendimento do juiz, para quem a gravidade do crime não seria suficiente para a manutenção da prisão.
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A Ouvidoria da Polícia também pedirá para a Corregedoria da Polícia Civil apurar a conduta de policiais por causa de um vídeo, que circula em redes sociais e mostra presos suspeitos de maus-tratos a animais sendo xingados de "médico de bosta", "veterinário filho da p***", "vagabundo", entre outras ofensas, durante a operação policial na chácara na Grande São Paulo.
As imagens foram gravadas no último sábado (14) durante ação conjunta entre a Polícia Civil de São Paulo e a do Paraná para desarticular uma rinha de cães em Mairiporã. No local, os policiais paulistas e paranaenses encontraram 18 cachorros da raça pit bull machucados e a carcaça de um outro já morto, que era servida como churrasco aos convidados.
Os 41 responderão por maus-tratos com morte, associação criminosa e jogos de azar (eram feitas apostas em dinheiro nas lutas para saber que cão sairia vencedor e qual perderia a disputa).
Como existe a suspeita de que policiais cometeram injúria, ameaça e abuso de autoridade contra os presos, a Ouvidoria da Polícia de São Paulo decidiu pedir para a corregedoria apurar a conduta dos agentes da Polícia Civil que participaram da ação.
"Vou instaurar procedimento e enviar o vídeo a Corregedoria da Polícia Civil para apurar conduta dos policiais", falou na quarta-feira (18) ao G1 o ouvidor da Polícia de São Paulo, Benedito Mariano.
Ele quer que a Corregedoria da Polícia Civil investigue se entre as pessoas que aparecem no vídeo xingando suspeitos estão policiais civis de São Paulo e, caso isso seja confirmado, apurar a conduta deles e puni-los administrativamente.
Segundo o advogado Ariel de Castro Alves, advogado especialista em direitos humanos e segurança pública pela PUC- SP e conselheiro do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Condepe), as ofensas ditas contra os suspeitos configuram crimes de "injúria, ameaça e abuso de autoridade", se tiverem sido cometidas mesmo por policiais.
"O papel da polícia é de prevenir possíveis crimes, investigar crimes e prender criminosos e suspeitos, sempre cumprindo as leis. Jamais devem promover linchamentos físicos, psicológicos ou morais contra os acusados", disse Ariel a reportagem.
O G1 ainda procurou as secretarias da Segurança Pública (SSP) de São Paulo e a do Paraná para comentarem a divulgação do vídeo e quais medidas tomariam a respeito.
A Secretaria da Segurança de São Paulo informou que a Corregedoria Polícia Civil ainda não havia sido comunicada sobre a filmagem. Já a pasta da Segurança do Paraná alegou que não identificou seus policiais na gravação. Leia mais abaixo a íntegra das notas que esses órgãos enviaram à reportagem.
Vídeo
No vídeo gravado durante a ação policial conjunta entre a 2ª Delegacia de Investigações sobre Infrações de Maus Tratos a Animais (DIMA), do DPPC, do Departamento de Operações Policiais Estratégicas (Dope) da Polícia Civil de São Paulo e a Delegacia de Proteção do Meio Ambiente da Polícia Civil do Paraná, é possível ouvir outras ofensas aos presos, como "dormir de conchinha", que no linguajar policial sugere que o detento ficará numa cela superlotada na cadeia.
Também foram ditas expressões como "esculachar sua foto na imprensa", em uma referência a divulgação das imagens dos suspeitos para veículos de comunicação.
As frases no vídeo são ditas por homens ainda não identificados. Alguns deles aparecem usando uniformes policiais com bandeiras e brasões, coletes, armas e apontando os dedos em riste para os suspeitos, que ouvem os xingamentos sentados, com as mãos para trás, dentro do que parece ser uma rinha onde os animais brigavam. Os cães foram levados para abrigos por ONGs.
A gravação da prisão dos suspeitos está sendo compartilhada em redes de WhatsApp de policiais.
O que dizem
Por meio de nota, a pasta da Segurança do Paraná informou que analisou as imagens e não identificou nenhum de seus policiais nelas.
"A Polícia Civil do Paraná (PCPR) informa que o referido vídeo foi analisado, sendo que não foi identificado nenhum policial do Paraná nas imagens. Somente oito policiais do estado participaram da operação", informa comunicado da SSP do Paraná.
Procurada pelo G1, a SSP de São Paulo informou que "a Corregedoria da Polícia Civil esclarece que, até o momento, não recebeu denúncias sobre o vídeo mencionado". Em nota, a secretaria comunicou ainda que "a instituição não compactua com desvios de condutas de seus agentes" e que "todas as denúncias formalizadas são alvo de apuração."
Investigação
As investigações sobre a rinha clandestina de cães na Grande São Paulo começaram pela polícia do Paraná. Um criador e um treinador de pit bulls de Curitiba e de São José dos Pinhais eram suspeitos de participar do evento em Mairiporã.
A Polícia Civil do Paraná pediu então apoio a Polícia Civil de São Paulo. Entre as pessoas detidas na operação conjunta na chácara estavam dois adolescentes, um americano, dois peruanos, dois mexicanos, um policial militar, um médico e um veterinário.
Dos 41 detidos, apenas um teve a prisão mantida pela Justiça paulista após audiência de custódia no Fórum de Guarulhos, na Grande São Paulo, na segunda-feira (16).
O homem que teve a prisão preventiva decretada é suspeito de organizar o evento. Ele foi apontado pelo proprietário do sítio como responsável por alugar o local e por fazer o pagamento da locação.
Segundo o G1 Goiás, o médico que aparece nas imagens é o goiano Leônidas Bueno Fernandes Filho. Quando é acusado por policiais de colocar os cães para brigar, ele se defende dizendo: "Não. Eu vim pegar um cachorro de um amigo meu".
De acordo com a investigação, Leônidas e mais um médico veterinário eram responsáveis por reanimar os cães machucados durante as lutas. Eles também foram soltos com os outros 38 suspeitos. O médico teve de pagar fiança de R$ 60 mil para responder aos crimes em liberdade.
Antes de eles serem soltos, a Justiça de São Paulo encaminhou aos conselhos regionais de medicina e veterinária informações sobre as acusações contra os dois.
A reportagem não conseguiu localizar os suspeitos que aparecem no vídeo para comentarem o assunto.