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Quando o cuidado falha: o dilema das famílias alagoanas diante dos transtornos mentais graves e as contradições da política antimanicomial

. O discurso “técnico” muitas vezes ignora o desamparo cotidiano enfrentado por quem vive e convive com a dor psíquica


			
				Quando o cuidado falha: o dilema das famílias alagoanas diante dos transtornos mentais graves e as contradições da política antimanicomial
Reprodução

As famílias que convivem com o sofrimento psíquico severo estão condenadas a carregar uma dor que também adoece.

Entre 2024 e 2025, atuando como Psicólogo na Defensoria Pública do Estado de Alagoas, deparei-me com dezenas de casos que escancaram o abismo entre o ideal e o possível quando se trata de transtornos mentais graves. O discurso “técnico” muitas vezes ignora o desamparo cotidiano enfrentado por quem vive e convive com a dor psíquica.

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Não somos a Itália, a Alemanha ou o Canadá. Aqui, a eficácia das políticas públicas depende menos de teorias e mais da construção de redes vivas, acessíveis e intersetoriais. Quando muitos gritam “somos contra aos manicômios” eu sinceramente me pergunto: Mas, quem é a favor?

A política antimanicomial de 2001 encontra-se tão desatualizada quanto os próprios manicômios que combate. É como se ainda estivéssemos vivendo a mesma realidade de duas décadas atrás.

Na prática, trata-se de uma tentativa de corrigir um erro cometendo outro ainda mais grave. Posso elencar ao menos cinco contradições da atual política antimanicomial:

Desinstitucionalização sem rede substitutiva eficaz:

A Lei nº 10.216/2001 propõe a substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos por serviços comunitários. No entanto, parece que se passa uma “borracha” na palavra progressiva, e opta-se por atitudes radicais e discursos inflamados que desinformam a população. Soma-se a isso a completa ausência de uma rede substitutiva eficaz. Referência: CONASS (2022–2024).

Liberdade sem suporte:

Embora a política defenda a liberdade e cidadania da pessoa em sofrimento psíquico, já acompanhei diversas famílias que receberam ligações de hospitais psiquiátricos comunicando alta iminente, mesmo sem qualquer suporte familiar, moradia, trabalho ou acompanhamento contínuo. Isso tem levado à cronificação, ao abandono e à reincidência em serviços de urgência.

Referência: IPEA (2021).

Fim do manicômio, permanência das práticas manicomiais:

Embora a proposta seja superar a lógica de exclusão dos antigos manicômios, os leitos psiquiátricos em hospitais gerais frequentemente replicam práticas manicomiais, como isolamento, contenção e altas precoces, sem uma estrutura terapêutica qualificada. Referência: Fiocruz (2020–2023).

Atenção integral sem equipe mínima:

Apolítica preconiza atenção integral e multiprofissional. Contudo, muitos CAPS operam com ausência de profissionais essenciais, como psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais, comprometendo a efetividade do cuidado. Referência: CNES (2023).

Estigma da internação mesmo nos casos graves:

O discurso político antimanicomial frequentemente absolutista a desinstitucionalização. Porém, há casos clínicos graves como surtos psicóticos com risco iminente de morte que exigem internações seguras, protetivas e temporárias. Ainda assim, essa necessidade é frequentemente estigmatizada, o que fragiliza a resposta clínica e social adequada. Referência: Diretrizes da OMS

O desafio é oferecer um cuidado que seja presença e não suplência, encontro e não exclusão. O sofrimento mental não espera. E nenhuma vida pode ser deixada à margem por falta de uma porta onde bater.

A internação psiquiátrica, quando inevitável, deve ser o último recurso, mas precisa estar disponível, de preferência em Centros Especializados e Humanizados e Não Em Hospitais Gerais. Negar essa possibilidade é perpetuar o sofrimento.

A distância entre o que prevê a legislação e o que se vive na prática revela um cenário de invisibilização e negligência. Enquanto o debate “técnico” se mantém desconectado da realidade concreta, famílias adoecem emocional, física e financeiramente.

Sem retrocessos manicomiais, claro, mas também sem utopias, a romantização da desinstitucionalização é perigosa quando desconsidera a estrutura real de cuidado disponível. As famílias não pedem manicômios, também não desejam abandono institucional, elas pedem ajuda, rede, escuta, cuidado.

E se fosse com você?

• Você já acordou com sua filha em surto psicótico tentando esfaqueá-la?

• Já encontrou uma carta de despedida de um filho com esquizofrenia que desapareceu?

• Já se trancou no banheiro porque seu irmão, em surto, ameaçava matá-lo?

• Já pediu medidas protetivas contra sua própria mãe por ela colocar você e suas filhas em risco?

Essas histórias são reais e mais comuns do que gostaríamos de admitir.

Quem nunca teve que manejar um paciente em surto psicótico, nunca realizou atendimento direto às famílias, ou nunca vivenciou a exaustão de cuidar de um ente com transtorno mental grave, deveria, no mínimo, exercer maior respeito (idealmente, admiração) pelos profissionais da saúde e do serviço social que atuam na linha de frente desses contextos e principalmente ouvir as famílias, alguém perguntou o que elas passam? O que elas acham melhor?

Internação não é exclusão, em muitos casos, é a única fresta de cuidado possível diante do agravamento dos surtos, da rejeição ao tratamento e da sobrecarga dos cuidadores. Fingir que não vemos essa realidade é mais do que omissão, é conivência com o sofrimento alheio.

Talvez me falte lucidez intelectual para entender como leitos psiquiátricos em hospitais gerais são considerados mais humanizados do que Centros Hospitalares Especializados, com equipes capacitadas, estrutura adequada e ambiente acolhedor. Certamente, não me faltam estudo, embasamento e vivência para questionar essa lógica.

Se construído com responsabilidade, um novo modelo de hospital psiquiátrico pode e deve inaugurar uma nova era na política de saúde mental em Alagoas. Um modelo que compreenda a internação como digna, proporcional, qualificada, voltada à reinserção, com suporte às famílias, realizada em ambientes menos restritivos e indicada, principalmente, diante de risco iminente à vida.

Que a escuta comece com quem vive o surto, o medo e o amor. A política pública de saúde mental precisa ser feita com as famílias, e não sobre elas.

Aos que enfrentam, muitas vezes sozinhos, o peso de cuidar de quem sofre psiquicamente, reforço meu compromisso de tentar, no mínimo, transformar dor em escuta qualificada e dignidade.

O que defendo não é a hospitalização indiscriminada, mas suporte humano, clínico e proporcional. São essas famílias que ficam sendo encaminhadas para lá e para cá e são essas que eu atendo com um sentimento de impotência e uma única coisa a dizer: “Sinto muito!”

Luan Gama Wanderley Leite (CRP-15/3328)

Atua Como Psicólogo da Defensoria Pública do Estado de Alagoas.

As fotos a seguir são atuais e ilustram, de forma clara, a diferença entre os leitos psiquiátricos em um hospital geral e a estrutura moderna e humanizada de um Centro Hospitalar Psiquiátrico Especializado. Não tenho interesse político nem ideológico, tecnicamente não é otimista criar Residências Terapêuticas, muitas vezes ou a maioria das vezes coordenadas por ONGS e custeadas pelo estado, assim como, tecnicamente Comunidades Terapêuticas para dependentes químicos também coordenadas por ONGS não são o melhor modelo de tratamento.

Leitos Psiquiátricos no Hospital Geral Santa Ana - Porto Alegre

16/01/2025 | 16:43 | Correio do Povo | Foto: Ricardo Giusti

  • Quando o cuidado falha: o dilema das famílias alagoanas diante dos transtornos mentais graves e as contradições da política antimanicomial
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Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB) em Minas Gerais

Outubro 17, 2023 | Fonte: Agência Minas

  • Quando o cuidado falha: o dilema das famílias alagoanas diante dos transtornos mentais graves e as contradições da política antimanicomial
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Fontes e princípios éticos citados:

• Declaração de Madrid – Associação Mundial de Psiquiatria (1996/2011): internação como último recurso, com respeito aos direitos humanos.

• Princípios da ONU (1991): internação apenas diante de risco iminente à vida ou de terceiros.

• Diretrizes da OMS (2021): foco em ambientes menos restritivos, cuidado contínuo e apoio às famílias.

• Referência: Relatórios do Ministério da Saúde e notas técnicas do CONASS (2022-2024).

• Exemplo prático: Estudos sobre "moradores de rua com transtornos mentais graves" (IPEA, 2021).

• Avaliações da Fiocruz e relatórios daAnistia Internacional (2020-2023).

• Dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES, 2023).

• Baseado na experiência de profissionais da ponta (Defensorias, Hospitais, CAPS) e diretrizes da OMS (2022).

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*Os artigos assinados são de responsabilidade dos seus autores, não representando, necessariamente, a opinião da Organização Arnon de Mello.

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