Uma jovem mulher é acusada de sequestrar crianças e começa a ser perseguida pelos cidadãos da região onde mora. Essa é a história de Brisa (Lucy Alves) na novela ‘Travessia’, que estreou na noite de ontem (10), na TV Globo. O caso que serviu de inspiração para a autora Glória Perez na construção da protagonista da nova trama das 21h é o drama real vivido por Fabiane Maria de Jesus em 2014. Fabiane foi acusada do mesmo crime, e também de bruxaria, por conta de rumores nas redes sociais, sendo linchada até a morte por parte da população do bairro Morrinhos IV, no Guarujá, em São Paulo.
Aspectos sociais, fatos verídicos e situações do cotidiano são marcas reconhecidas pelo público da televisão brasileira que já assistiu a outras obras de Perez, que se diz interessada pelo que a cerca. “Eu escrevi uma novela, por exemplo, em que a campanha eram as crianças desaparecidas. E como é que isso aconteceu? Eu estava passando pela cidade e vi um grupo de mulheres sentadas numa escadaria e elas traziam fotografias de crianças na mão. Elas estavam ali na esperança de que alguém passasse e pudesse reconhecer alguma delas. Então, eu criei uma personagem pra botar essa campanha na novela. No primeiro dia que a campanha foi ao ar, apareceu a primeira criança”, relembra.
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Contudo, ‘Travessia’ contará com outras histórias que se ligarão à de Brisa no desenrolar dos capítulos. Como em suas novelas anteriores, a mocinha estará envolvida com dois possíveis interesses amorosos, pelos quais o público poderá torcer até o fim da narrativa. O primeiro é Ari (Chay Sued), arquiteto que cresceu ao lado de Brisa no Maranhão, onde parte da história se passa, e vive com ela um amor puro da infância à vida adulta. O romance será balançado quando Ari viajar a negócios para o Rio de Janeiro e conhecer Chiara (Jade Picon), filha do dono da construtora Guerra, onde o arquiteto vai trabalhar. O segundo pretendente para a heroína maranhense será o hacker Oto (Rômulo Estrela), que está em São Luís na hora do tumulto gerado pela confusão da população que acredita que Brisa é a sequestradora de crianças retratadas em uma imagem manipulada e divulgada na internet.
“De onde é que eu parti? De uma velha possibilidade de conflito, que é a fofoca, a intriga. Que existe desde que o mundo é mundo, só que antes, ela estava restrita a um local, a um local de trabalho, ou a uma rua, ou a um bairro, às vezes até a uma cidade. E nós achávamos que a fofoca tinha ido muito longe, mas não tinha não. Porque agora, com as redes sociais, ela ganha o mundo em segundos”, explica a autora.
METAVERSO, DEEP FAKE E TECNOLOGIA
Para Glória, o foco e o objeto da sua escrita não é o fenômeno das fakes news ou as novidades da tecnologia por si só, mas como a sociedade vem lidando com essa nova realidade cada vez mais presente no dia a dia de pessoas comuns. “A minha ideia ao falar da internet é mostrar como as relações humanas se configuram a partir do avanço tecnológico e do que ele nos permite. Tanto da maneira como você pode se unir a outras pessoas para construir algo bacana, se unir para destruir outras pessoas, ou até conseguir viver em mundos paralelos”, destaca.
Os mundos paralelos que Perez pretende apresentar aos milhões de telespectadores da TV Globo são os que compõem o metaverso. Na trama, a personagem Talita (Dandara Mariana), uma das executivas da construtora de Guerra (Humberto Martins), é quem vai tratar do tema da travessia de empresas do mundo físico para o mundo digital. “A Talita é uma mulher super antenada na atualidade, em tendências e no novo. Eu tenho feito uma pesquisa sobre neurociência, e vou encontrar com a Glória para fazer uma imersão nesse tema”, compartilha Dandara.

A autora se diz muito interessada na imersão proporcionada pelo metaverso e relata também que já existem casos de crimes semelhantes aos crimes reais sendo praticados dentro do universo digital, cometidos por um avatar, representação das pessoas reais no metaverso, contra outros avatares. “Em dois segundos, ao viver essa experiência, você esquece que está na sala da sua casa ou em algum lugar físico. Essa tendência de hoje a criar realidades paralelas e a viver em mundos que na verdade não são físicos, não são reais, e a reagir como se estivesse lidando com o real, isso me interessa muito. Isso faz parte de uma nova maneira de perceber a realidade que o avanço tecnológico permite”, avalia.
Na história, a personagem Brisa é vítima de deepfake, uma tecnologia onde uma inteligência artificial é utilizada para criar conteúdo visual falso, porém altamente realista. O tipo de deepfake feito contra a protagonista é chamada de deepface, cujo foco é alterar o rosto de uma imagem onde outra mulher foi filmada roubando um bebê de uma maternidade. Ao viralizar, a imagem chega ao lugar onde Brisa mora e ela é perseguida por uma população enfurecida e enganada pela tecnologia. “Apesar de a protagonista sofrer as consequências de uma deep face, não é desse detalhe que eu quero falar, esse detalhe está incluso. A novela trata de algo bem maior do que isso. É um novelão, como todas as minhas novelas. Eu acho que novela é folhetim, novela é melodrama, e jamais abrirei mão disso. Agora, não custa fazer pensar, né? A gente pode divertir, emocionar e fazer pensar”, garante a autora.
“Tudo começa aqui, no papel em branco. É aqui, nesse nada, que a imaginação do escritor vai trabalhar para criar o universo e a trajetória desses personagens por esse universo. Eu acho que o escritor, ele escreve sempre sobre aquilo que lhe interessa. E escrever, é uma maneira de refletir sobre o assunto que lhe interessa. Eu me interesso muito pelas coisas que estão acontecendo à minha volta. E sempre me interessei muito em observar como o avanço da tecnologia vai introduzindo na humanidade dramas novos, possibilidades novas de conflito”, completa.
‘Travessia’ vai ao ar de segunda a sábado, na TV Gazeta de Alagoas, afiliada Globo, canal 7, logo após o Jornal Nacional. A direção artística é de Mauro Mendonça Filho, direção de Walter Carvalho, Andre Barros, Mariana Richard e Caio Campos. A produção é de Claudio Dager e Tatiana Poggi, e a direção de gênero é de José Luiz Villamarim.