Na Bahia, foram 18 mortos. Já no Pará, outros 23. Todos eles vítimas de dois graves naufrágios ocorridos na costa brasileira na última semana, num intervalo de menos de 48 horas. Juntas, as embarcações levavam quase 200 pessoas. A bordo, muita gente, mas quase nada do que determinam as normas de segurança em navegação: coletes a menos e despreparo a mais embarcaram também nessa viagem.
Os números entram para uma preocupante estatística nacional: de 2000 a 2015, foram 1.327 vítimas fatais em acidentes marítimos no Brasil, de acordo com o Datasus, o sistema de informações do Sistema Único de Saúde. Nas águas calmas e exuberantes de Alagoas, porém, a situação é mais amena, mas ainda assim demanda atenção: em cinco anos, foram 56 acidentes, com 11 óbitos.
Leia também
Todas as mortes, diz o responsável pela Capitania dos Portos do Estado, o capitão-de-fragata Mário Teixeira, aconteceram em veículos aquáticos considerados de esportes e recreio - lanchas e jet skis - ou envolvendo barcos pesqueiros. Nenhuma delas em embarcações de transporte de turistas, que circulam, em sua maioria, na orla de cidades como Maceió, Maragogi e Japaratinga e em trechos do Rio São Francisco.
As duas áreas, praia e rio, são vigiadas pela Marinha, que computa como acidente diversas ocorrências que passariam despercebidas ao senso comum. "Alagoas não tem muitos acidentes. Nos últimos cinco anos, foram 56, com 11 vítimas fatais. É muito pouco. Para a Capitania é considerado acidente um encalhe, uma embarcação que perdeu o governo, uma que, por mau estado, afunda sem ninguém a bordo", explica o capitão.
Todos os casos, entretanto, são apurados pela entidade, que abre um inquérito para descobrir causas e responsabilidades. Um dos mais recentes é que envolve o falecimento do pescador Osmar Oliveira de Araújo, atropelado na lagoa Mundaú pelo jet ski conduzido por José Tavares Malta Neto. A averiguação corre em vias administrativas, mas, em situações como essas, pode resultar também em processos criminais.
"O condutor da embarcação está com um processo administrativo correndo na Marinha, mas provavelmente deve estar respondendo ainda a um criminal. O julgamento dos casos de inquérito é feito pelo Tribunal Marítimo, que fica no Rio de Janeiro", aponta o oficial Mário Teixeira, lembrando que o acúmulo de faltas pode levar à apreensão ou à suspensão da carteira.
O número de relativamente baixo de acidentes por aqui em comparação com outros locais do Brasil - como o Amazonas e o Pará, responsáveis por 47% das mortes do tipo nos últimos 15 anos - tem explicação. Segundo o capitão, uma delas é a característica dos passeios feitos em águas alagoanas, geralmente de travessia curta e em regiões de menor profundidade.

"O que aconteceu nesses outros lugares é características da região. Eles têm embarcações que fazem travessias longas, o que não é o caso de Alagoas. As nossas fazem basicamente o passeio das piscinas naturais e travessias em Penedo, mas que são curtas. Lá, por exemplo, o que ocorre é basicamente pelo estado do rio. São encalhes", ressalta o militar.
Secretário municipal de Turismo e presidente do Conselho Gestor de Passeios Turísticos em Embarcações nas Orlas Marítima e Lagunar, Jair Galvão concorda com o capitão dos Portos. Ele lista, ainda, outras peculiaridades locais, mas destaca que nada disso exime os órgão competentes - e os próprios pilotos e barqueiros - de redobrarem os cuidados na navegação.
"Querendo ou não, esses acontecimentos despertam um sentimento de preocupação a todos que fazem passeios. Aqui são trechos curtos, em áreas urbanas, próximo ao Corpo de Bombeiros. O volume de embarcações próximas também transmite a sensação de segurança, é um mar tranquilo, a lagoa não tem muita correnteza. Mas isso não nos exime da responsabilidade de passar informação de qualidade e reforçar a segurança", diz.
Fiscalizações buscam garantir segurança
O que, a princípio, pode assustar turistas que passeiam por aqui é, também, a garantia de segurança: em pequenos barcos e em grupos de quatro ou cinco, militares da Marinha rodam pelas praias e lagoas realizando inspeções de rotina. Nelas, eles observam aspectos como habilitação do condutor e da embarcação, itens de segurança, número de tripulantes, manutenção. Uma lista que aumenta ou diminui de acordo com o porte.
Foi assim à bordo do Maraná 1, parado na última quinta-feira (31), em uma fiscalização acompanhada pela reportagem daGazeta. Com capacidade para 100 pessoas, ele deve estar sempre com três tripulantes. E com coletes salva-vidas suficientes para todos os passageiros. Depois de uma rápida averiguada, tudo certo e o catamarã pode seguir, tranquilo, sua viagem.
"A gente olha as carteiras de habilitação, verifica colete, extintor de incêndio. Dependendo do tamanho, verificamos mais itens ou menos itens. Quando tem algo irregular, como a falta de coletes, por exemplo, a gente manda encostar. Quando é excesso de passageiros, a mesma coisa para que possa descer o excedente e só depois poder sair de novo", explica o responsável pela inspeção do dia, suboficial Muniz
Piloto do barco há cerca de dois anos, Tárcio Leal não reclama da ação. Pelo contrário. "Sempre acontece fiscalização e, quando é alta temporada, vem mais ainda. Mas estamos sempre nos preocupando e cuidando da segurança; procuramos andar dentro do que diz a norma. Isso é importante até para nossa segurança", ressalta ele, antes de parar em um banco de areia para que os turistas pudessem se refrescar na lagoa Mundaú.
O capitão-de-fragata Mário Teixeira explica que atividades do tipo acontecem semanalmente, em dias aleatórios, e ainda em todos os finais de semana e feriados. Ao todo, a Capitania dos Portos de Alagoas possui 62 inspetores habilitados para o trabalho. Eles atuam em toda a jurisdição do estado - 260 km do litoral e 280 km do Rio São Francisco. A ideia é cobrir toda essa área.
"A Capitania tenta estar presente em todo o Litoral e toda a extensão do São Francisco. Claro que não podemos estar presentes toda hora, cobrindo tudo simultaneamente, porque não temos nem pessoal e nem material para isso. Mas fazemos um planejamento minucioso e acabamos dando mais atenção aos locais de maior concentração de embarcações".

No que diz respeito ao transporte de passageiros, as regiões mais requisitadas são Maragogi, Japaratinga, Paripueira e a praia de Pajuçara. Já os veículos de esporte e recreio costumam ser mais comuns na Prainha, Praia do Saco, Barra de São Miguel. A maior irregularidade encontrada é sempre a falta da documentação necessária: habilitação do piloto e inscrição do barco.
"Às vezes são pessoas habilitadas, mas que não estão com a habilitação. Elas são notificadas e quando vêm [à Capitania] para se justificar mostram a documentação. Outras também não estão com a documentação da embarcação ou estão com a xerox, o que não é permitido", afirma. "O condutor sem habilitação é um caso que consideramos de certa gravidade, porque na hora não sabemos se ele é habilitado ou não e então a embarcação é apreendida até que se apresente um condutor habilitado", acrescenta.
Entre 250 e 280 novos profissionais, chamados de aquaviários, são habilitados anualmente pela Marinha, que tem um total de 7.943 deles inscritos em sua base de dados. Já embarcações são 9.757 inscritas - 12% de transporte de passageiros, 38% de esporte e recreio e 35% de pesca. A meta é que 100% das consideradas de grande porte sejam vistoriadas, fora as inspeções de rotina, pelo menos uma vez por ano.
Além da Marinha, as que fazem trajetos por Maceió são acompanhadas ainda pelo Conselho Gestor de Passeios Turísticos em Embarcações nas Orlas Marítima e Lagunar, composto por diversos órgãos, entre eles a Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito. Estão lá ainda o Corpo de Bombeiros, a Guarda Municipal, o Instituto do Meio Ambiente, a própria Capitania.
Ele é responsável por tudo o que diz respeito ao controle, organização, fiscalização, qualificação. O licenciamento fica com a SMTT, a qual os jangadeiros pagam, por exemplo, uma taxa de R$ 58 por ano. O credenciamento e a renovação das licenças é feita duas vezes por ano e, para isso, é preciso que os "motoristas" passem por uma série de treinamentos e palestras - inclusive sobre atendimento ao turista e primeiros socorros.
"Desde 2015 demos uma intensificada nessa fiscalização. Nesses momentos de conscientização compareceram, em 2014, 37 jangadeiros. Em 2015, esse número já foi pra 182 e essa média está se mantendo", conta o secretário Jair Galvão, lembrando que as as operações do conselho se alternam entre a orla marítima e a lagunar e também não têm calendário fixo.
Quando a inspeção é da entidade, o principal problema encontrado ainda é o excesso de passageiros. "Eles estão seguindo as normas e temos tido uma experiência positiva com os jangadeiros e os pilotos de catamarã, principalmente no que diz respeito ao limite máximo de tripulantes. Mas esse ainda é nosso maior problema", explica ele, que, diante do que vem acontecendo no Brasil, garante ainda que deve intensificar as ações.
"Isso como reflexo dos acidentes, mas principalmente em antecipação à temporada turística. Seremos mais detalhistas nesses aspectos e adotar medidas de informação ao turista. Os informantes turísticos já estão sendo treinados para reforçar esses aspectos de segurança. Vamos fazer uma campanha nas nossas redes sociais e um treinamento especial, in loco, com os jangadeiros".
Jangadeiros dizem seguir as normas
Mesmo com tanta fiscalização e conscientização acontecendo nas águas alagoanas, o capitão dos Portos de Alagoas ressalta que a maioria dos acidentes, seja aqui ou em outros locais, é causada mesmo por falha humana. "Eles são causados por imprudência, imperícia ou negligência de quem está conduzindo a embarcação", constata Mário Teixeira.

Trabalhando há cerca de 30 anos nas piscinas naturais da Pajuçara, o jangadeiro Bartolomeu Ramos, 62, conta que segurança é uma preocupação por ali. Todos os dias ele leva turistas ao local e chega a fazer duas viagens diárias, dependendo da maré - ao custo de R$ 30, o percurso dura duas horas, sendo 30 minutos para a ida e a volta e 1h30 entre os arrecifes da capital.
"A segurança é total. Temos os coletes e também a fiscalização da Capitania. Se eles nos pegarem com mais gente do que pode na jangada, a gente é multado. A multa é negócio de R$ 800, R$ 600. Eles são rigorosos com a gente, mas é bom. Se você tem um carro para cinco pessoas e coloca seis, é multado. Então aqui a mesma coisa", pondera o também pescador.
Além dos documentos, Edvaldo Pedro Martins, jangadeiro há 27 anos, aponta que a categoria se preocupa também com outros aspectos. O registro das jangadas é um deles. "Nossas jangadas são todas registradas, inclusive na colônia de pesca. Não tem jangadeiro clandestino aqui, até porque a Marinha apreende. Se eu der minha jangada para alguém não habilitado eles apreendem".
Mas o capitão dos Portos adverte: a prudência deve vir também dos passageiros. "É importante que eles cobrem a quantidade de coletes salva vidas, que estejam de fácil acesso. Toda embarcação tem obrigação de fazer informar os procedimentos em casos de problema, como não correr todo mundo para um lado só, para evitar que vire. Isso deve ser cobrado, porque a mentalidade de segurança deve vir dos dois lados".
E parece que isso vem se enraizando na mentalidade dos turistas que chegam por aqui. Pelo menos é o caso da servidora pública Joseane Flor, de 29 anos. Antes de embarcar no Maraná 1, a visitante vinda de Porto Alegre fez questão de conferir se estaria segura. No dia anterior chegou até a desistir de um passeio devido a falta de coletes no barco.
"Observei se tinha uma quantidade satisfatória de coletes salva vida em relação ao número de bancos", conta ela, que diz ter ficado em alerta depois dos acidentes da semana passada. "Fiquei com medo, sim, tanto que olhei um barco na praia anterior e não gostei muito; não vi colete pendurado. Preferi andar de lancha porque ele me mostrou que estava tudo certo. Passei a prestar mais atenção, porque antes confesso que não fazia isso"

O aposentado Ancelmo Biol, de São Paulo, também prestou atenção antes de subir no catamarã. "Costumo olhar os coletes, se tem para todos e se estão de fácil acesso, principalmente pelo fato dos acidentes recentes. Isso não me deixou receoso agora, porque conferi o catamarã e ele me deixou tranquilo. A estrutura dos barcos que afundaram era deficitária; eles estavam com muita gente para pouco espaço".
Mas, com tudo em ordem, a regra é aproveitar. "Agora, com a segurança em dia, é hora de aproveitar as férias", acrescenta o paulista.