Sem ação do governo Renan Filho (MDB) este ano na agricultura, aproximadamente 40 mil produtores familiares podem perder a produção, principalmente de mandioca, que já se encontra em fase de colheita, por não terem a quem comercializar os produtos. Até agora o gestor não executou o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e nem mesmo as sementes que eram distribuídas pelo Estado, em anos anteriores, foram entregues. Além disso, os R$ 15 milhões prometidos pelo governador em 2018 não foram liberados para a compra dos alimentos.
O ano agrícola praticamente já terminou, segundo os próprios produtores, que se negaram a receber as sementes, devido ao prazo resultante da falta de ação do governo, que deveria ter entregue o produto em meados do mês de abril, mas até agora nada. Sem apoio do governo estadual, os pequenos produtores buscam saídas para a situação por conta própria, mas parte deles considera inviável ter solução, sem que o Estado adquira parte da produção.
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A situação se agrava ainda mais com a falta de investimentos do governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que, até agora, não liberou recursos para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) fazer a compra de alimentos da agricultura familiar dentro do PAA federal que, em anos anteriores, adquiria parte da safra e distribuía a comida para famílias de baixa renda.
"É de extrema necessidade que o senhor governador Renan Filho libere os R$ 15 milhões que serão destinados à compra da agricultura familiar, prometido desde 2018. Que tenha a liberação de recursos para o Programa Nacional de Alimentação (PNAE) e para a Secretaria de Saúde. Vale salientar que é de grande importância que o senhor governador compre 50 mil sacos de farinha de mandioca a R$ 91,00, recurso oriundo do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (FECOEP), para que os agricultores familiares saiam dessa situação obscura que se encontram e trilhem um caminho rumo ao desenvolvimento", alerta Francisco de Souza Irmão, o Chico da Capial, líder do Movimento dos Agricultores Endividados do Nordeste Brasileiro.
De acordo com ele, é preciso que a Associação dos Municípios Alagoanos (AMA), com a participação dos prefeitos, tente sensibilizar os deputados e senadores por Alagoas, para que também pressionem o governo federal à liberação de recursos via Conab.
Chico da Capial chama ainda atenção ao fato de que mais de 26 mil produtores de mandioca, que cultivaram uma área de, aproximadamente, 20 mil hectares no Estado, já se encontram em fase de colheita em maior densidade nas regiões Agreste e Sertão e sequer têm conseguido compradores para as sacas de farinha ao preço de R$ 50,00.
"Os demais agricultores com os diversos produtos nas outras regiões têm o produto, mas não acham quem compre. Quando surgem interessados não compensa vender. Caso não haja a liberação de recursos da agricultura familiar, o estado de Alagoas estará dando passos largos para um grande desequilíbrio no mercado", reforça o líder dos agricultores endividados.
Os anos entre 2014 e 2016 foram os que tiveram mais investimentos para a compra de alimentos da agricultura familiar, com recursos federais, chegando a quase R$ 20 milhões em 2015. De lá para cá, os valores foram reduzidos e, ano passado, chegou a apenas R$ 3,6 milhões, conforme dados das entidades dos pequenos produtores. Em 2019, até agora, nada foi investido nem pelo governo federal e nem pelo estadual.

Produtores reforçam cooperativismo
Em busca de saídas aos problemas que atingem o setor agrícola em Alagoas e, com o objetivo de reforçarem conhecimentos e fortalecerem o cooperativismo entre eles, produtores rurais associados a cooperativas em Alagoas participaram nesta última semana de curso do Programa de Cooperativismo Solidário (Pecsol), realizado pela União Nacional de Cooperativas da Agricultura Familiar (Unicafes) Alagoas. Em meio a debates sobre capacitação, gestão e governança cooperativista, eles buscavam parcerias com instituições de ensino e pesquisa e soluções para questões como acesso ao crédito e a mercados.
O encontro, realizado no Canguru Parque, em Arapiraca, contou com representantes de cooperativas de todas as regiões do Estado e com a presença do presidente da Unicafes nacional, Vanderley Ziger. Em sua apresentação, ele destacou a importância dos produtores rurais estabelecerem uma relação mais direta com os consumidores em suas localidades, como forma de buscarem meios à venda da produção e à sobrevivência e avanço no campo.
"Nós podemos conquistar mercados, ampliando a relação de confiança com os consumidores. Precisamos fazer isso com urgência", pontua Ziger. Ele destaca ainda a importância de se criar um núcleo de educação cooperativa solidária de formação contínua e, para isso, a necessidade de se buscar parcerias com entidades como o Instituto Federal de Alagoas (Ifal) e Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
A nutricionista e consultora Ana Luna, que participou do encontro, reforça a necessidade dos agricultores familiares terem também uma agenda política, para envolver as instituições e levar ao conhecimento da população o que representam para a sociedade e o que envolve a agricultura familiar.
"É preciso que vocês agricultores levem essa discussão para seus municípios. As pessoas não sabem o que é essa política da agricultura familiar. Contar com instituições de ensino de nível superior é um ponto de partida", reforça Luna.
O Pecsol, que aconteceu em seu segundo módulo, envolve a realização de ações de educação e capacitação em gestão e governança cooperativista. O programa, que conta com 128 horas de formação, tem como objetivo "fundamentar as ações do cooperativismo solidário; aprimorar a capacitação, emponderar as lideranças para a gestão e governança das cooperativas e multiplicar e aplicar as temáticas nas práticas de gestão, governança e comercialização nas cooperativas".
Avanço da agricultura familiar pode ser inviabilizado
Para o vice-presidente no exercício da presidência da Unicafes Alagoas, Antônio Calos de Souza, o cenário para a agricultura familiar em Alagoas é de preocupação e somente ainda não foi inviabilizado, por conta da necessidade do agricultores produzirem o próprio alimento.
"Nós estamos vivendo uma situação mais difícil há uns três anos e este ano está sendo o pior. O que nós temos para a agricultura familiar é o Banco do Nordeste oferecendo até R$ 15 mil pelo 'Agro Amigo'. A Emater [empresa do governo do Estado] diz ter recurso de R$ 6,5 milhões [recursos federais] e que vai cadastrar 1,5 mil agricultores, o que vai dar um total de pouco mais de R$ 4 mil para cada um, mas limitado e quem deve ter acesso são os assentados e quilombolas. A Conab não sinalizou nada até agora para a compra de alimentos", reforça.
Sobre as sementes doadas pelo governo, assim como outros produtores, ele diz que já desistiu de esperar. "As sementes não chegam na hora certa. A função social da semente não vem sendo feita há muitos anos. A gente quer que a semente venha na hora do agricultor plantar, que seria no máximo em março. Esse ano até agora não saiu. Ano passado não saiu no tempo certo. Então eu defendo não mais a aquisição de semente na forma como está sendo feita. A agricultura familiar caminha para o fim. Não se acaba porque é a subsistência alimentar do próprio agricultor", considera
Antônio Carlos destaca que os agricultores da região norte da Zona da Mata, onde ele produz, conseguiram se unir e ampliar a lavoura nos anos anteriores e se mantinham com a venda de parte da produção para o PAA - que, pela lei, deve acontecer em nível municipal, estadual e federal - , mas que atualmente a situação é de completo abandono.
"Em Santana do Mundaú nós já estamos com uma perda de 80% na produção de laranja do que poderia produzir. Não está circulando dinheiro. Não tem PAA, o banco financiando em pouca escala, muita gente desempregada, as aposentadorias cortadas. Somente mês passado foram 2.100 benefícios cortados em Alagoas.Tudo isso gera dificuldade para a gente vender nossos produtos. Agora produção existe", assegura.
De acordo com ele, sem esperança de seguir com a produção de laranja, os agricultores da região já pensam em mudar de cultura por conta própria, o que para Antônio Carlos pode ser um risco ainda maior.
"Na minha experiência eu não acho viável. Acho que a gente tem que lutar para recuperar nossos pomares e voltar a produzir. A laranja sempre garantiu a estabilidade dos agricultores. É uma cultura permanente e dependendo do clima, produz até três vezes ao ano. Em Santana do Mundaú, somos agricultores familiares com pequenas áreas. Precisa diversificar, sim, mas nenhuma cultura dá a estabilidade que a laranja. Nós estamos precisando apresentar um programa ao governo do Estado", acrescenta o presidente da Unicafes, que informa ter comunicado a intenção ao diretor-presidente da Emater Alagoas, Elizeu Rego, que também esteve presente no encontro em Arapiraca.
Sem propostas concretas para apresentar sobre as necessidades dos agricultores familiares, Elizeu Rego tem dito que o governo vai agir para solucionar os problemas, mas sem data ou recursos disponíveis até agora.